Confesso que tenho relutância em usar a expressão fake news ou qualquer outro modismo linguístico/estrangeirismo vazio. Inclusive porque entendo que o termo fake news é um reducionismo em relação ao que quer dizer, ameniza o seu sentido. Então preferiria dizer que o que se trata é de uma mentira mesmo, com M maiúsculo. Mas vamos lá, falemos em fake news, que já virou expressão popular e de uso generalizado, inclusive por parte daqueles que mais a praticam.
O conceito de fake news é muito antigo, é a própria negação da realidade ou a construção de uma realidade paralela. Em jornalismo, a fabricação de inverdades não é recente. Até reza uma lenda sobre guerra na região do Caribe, noticiada por um grande veículo dos Estados Unidos antes que acontecesse.
O fato é que está em curso uma verdadeira ‘desinfodemia’, uma epidemia de desinformação, expressão que se tornou viral na pandemia de Covid-19, tal o número de notícias falsas/desinformação sobre a tragédia sanitária global.
Mas as fake news continuam, em escala crescente, utilizadas por grupos ou pessoas de diferentes orientações políticas, ideológicas ou pelos interesses mais escusos. O negacionismo científico tem-se utilizado muito das ferramentas das fake news, para espalhar as suas inverdades, e isso tem ocorrido cada vez mais, por exemplo, no caso das mudanças climáticas.
A primeira notícia falsa sobre as mudanças climáticas é a própria negação de que elas existem, e essa posição ainda é incrivelmente defendida por alguns grupos, claro que em atenção a seus interesses políticos ou, sobretudo, financeiros. É simples: nega-se o aquecimento global e suas consequências, as mudanças do clima, para que alguns poucos grupos continuem lucrando com os combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás, ou também com o desmatamento, com o uso insustentável das terras. Infelizmente sabe-se que até cientistas (em número cada vez menor, é bom dizer) já foram bem pagos para negar “cientificamente” o aquecimento global.
Pois a desinformação e as fake news proliferaram no caso da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul. Notícias como “o governo brasileiro nega ajuda de Portugal para o Rio Grande do Sul” e “estão multando caminhões que transportam doações para os gaúchos” foram multiplicadas pelas redes sociais. Muitas mentiras fabricadas, atrapalhando os resgates e dificultando o socorro às vítimas do evento que deve mudar para sempre a percepção brasileira sobre as mudanças climáticas.
Não dá mais para negar que algo muito errado está acontecendo com o clima. Assim como não dá mais para defender medidas cada vez mais indefensáveis, como a amenização das ações e legislações que de fato protegem o meio ambiente.
Como comentamos no penúltimo artigo, agora mesmo está em curso no Congresso Nacional um pacote de iniciativas parlamentares representando um grande ataque à proteção ambiental no país. Tomara que as imagens da catástrofe no Sul sejam a maior barreira à aprovação dessas medidas anti-vida. O afrouxamento do licenciamento ambiental é um dos maiores riscos nesse sentido.
A questão é que, infelizmente, a desinformação e as fake news vieram para ficar. Até foi aberto um novo eixo no jornalismo para combatê-las, que são as agências de checagem de fatos. É incrível. Agora são necessárias ferramentas de checagem para verificar se essas ou aquelas notícias são ou não verdadeiras.
No fundo, o que estamos dizendo é que podemos estar transitando para uma sociedade das fake news. Uma sociedade irreal, fabricada. Com o uso cada vez mais frequente da Inteligência Artificial, mudando fotografias, áudios ou vídeos, esse risco é crescente. Não se trata de abominar a IA, que pode sim ter muitos usos importantes para a humanidade. Mas a questão é se haverá limites éticos para a sua utilização ou se, por interesses escusos, a IA estará crescentemente a serviço da mentira, da manipulação da realidade. As próximas eleições brasileiras serão prato cheio para avaliar esse dilema.
A Unesco tem trabalhado com o conceito de Alfabetização Midiática e Informacional para o combate à desinformação e às fake news. Seria a capacitação, sobretudo nos meios escolares, para que as pessoas saibam como discernir o que é verdade ou não, verificando as fontes daquela notícia, cruzando informações ou analisando o contexto em que o fato ocorre.
Uma notícia promissora para o Brasil é que a alfabetização midiática foi incluída como um tema transversal na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que passou a orientar os currículos do Ensino Fundamental e Médio no país. Importante, porém, que essa alfabetização midiática seja efetivada de forma correta e em um ambiente de liberdade de criação e expressão para os alunos.
A dúvida é se, com a velocidade das mídias sociais, o poder destruidor das fake news não será maior do que os recursos existentes para combatê-las. Por trás da desinformação e das notícias falsas geralmente há interesses poderosos, que têm robôs e outros recursos para investir em instrumentais tecnológicos sofisticados e difíceis de combater.
Na minha opinião, a cidadania e sociedade civil planetária está demorando para reagir à altura à proliferação das fake news, assim como também tem sido morosa para combater o uso indiscriminado dos dados pessoais/invasão de privacidade através das novas tecnologias de informação e comunicação. Este é um dos maiores desafios contemporâneos, para aqueles que ainda acreditam em avanços civilizatórios e construção de sociedades efetivamente sustentáveis.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]