Como jornalista, venho tendo a oportunidade de acompanhar a trajetória em defesa das águas das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) desde o início da década de 1980. Eu ainda era estudante de Jornalismo em Piracicaba e já trabalhando em jornal (em “O Diário”, de Cecílio Elias Netto) pude testemunhar e relatar a luta intensa, apaixonada, daquela cidade pelo seu rio, aquele cantado em prosa e verso.
Na época, eram duas as grandes preocupações de Piracicaba com a crescente poluição das águas do famoso rio. Como a cidade é a última da bacia do Piracicaba, ela sentia todo o impacto da poluição que vinha “rio acima”, ou a montante, em linguagem técnica. E as principais fontes de degradação eram o esgoto industrial, sobretudo dos rejeitos do processamento da cana-de-açúcar (eram os tempos do Proálcool), e o esgoto urbano.
Naquele momento histórico, menos de 5% dos esgotos de origem urbana das cidades a montante, “rio acima”, recebiam algum tipo de tratamento. O resultado da soma de resíduos do processamento da cana e outras fontes industriais, mais esgotos urbanos lançados sem tratamento nos rios, era um coquetel de grande poder de destruição. Destruição da biota das águas, pela intensa queda de oxigênio e alta presença de vários poluentes. Várias espécies de peixes desapareceram do rio Piracicaba e outros cursos d´água desde aquele período.
As mortandades de peixes eram frequentes. O espetáculo das águas substituído por uma paisagem de devastação, de morte. Tudo isso contribuiu para um forte movimento de resistência em Piracicaba, que serviu de inspiração para toda a bacia do PCJ. Movimento que foi a origem do Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari, depois também do Jundiaí, que também tive a oportunidade de acompanhar de perto desde o início.
O primeiro livro sobre a história do Consórcio (“A luta pela águas nas bacias dos rios Piracicaba e Capivari”), lançado em 1993, é de minha autoria, em conjunto com o geólogo João Jerônimo Monticelli, primeiro secretário-executivo da organização.
Pois naquele cenário a cidade “rio acima” mais criticada era justamente Campinas. Maior cidade das bacias, era por consequência a que mais poluía com seus esgotos urbanos sem tratamento. E de fato Campinas demorou para acordar sobre sua importância neste panorama. Foi necessário que um promotor público, então atuando em Americana, processasse cidades como Campinas e outras, para que começasse a ser criado um ambiente propício a um sério projeto de tratamento dos esgotos urbanos.
Um planejamento estratégico nesse sentido ganhou impulso no governo de Antonio da Costa Santos, o prefeito-arquiteto barbaramente assassinado a 10 de setembro de 2001. Toninho, o querido Toninho, teve participação importante na articulação para a formação do Consórcio PCJ, quando ainda era vice-prefeito, na gestão de Jacó Bittar. A questão das águas estava em seu coração. Ele estudou a fundo a tragédia da febre amarela em Campinas no final do século 19. Um dos impactos daquele momento terrível para a cidade foi a criação de uma companhia de águas e esgotos, ainda particular, visando cuidar desses temas de enorme relevância para a saúde das pessoas.
Depois do rápido governo municipal de Antonio da Costa Santos, outras gestões se seguiram e de forma geral houve continuidade nos propósitos e metas assumidas pela Sanasa, a empresa pública, municipal, que deu sequência à companhia originalmente privada. A mudança de prefeitos, de diferentes partidos, não repercutiu negativamente no plano técnico traçado pela Sanasa.
Com o esforço e o empenho das seguidas gestões da Sanasa, o jogo virou. Campinas avançou rapidamente em obras de tratamento de esgotos urbanos. Hoje, mais de 90% de sua carga de esgotos já recebem tratamento adequado com efeito muito positivo para as águas “rio abaixo”, a jusante. Lembrando que no Brasil menos de 50% dos esgotos são tratados, o que configura uma grave situação de saúde pública, um gigantesco desafio para a sustentabilidade.
Mas Campinas também deu um salto expressivo em redução de perdas de água.
Em todo Brasil, em média 40% das águas tratadas são perdidas nas redes de distribuição. Em Campinas, com um trabalho enorme da Sanasa, as perdas são de pouco mais de 20%, um índice equivalente ao de cidades como Oslo, na Noruega, e melhor até que Londres ou Hong Kong. Claro, é possível melhorar ainda mais e os investimentos em curso parece que vão resultar em índices mais significativos.
Todos esses indicadores confirmam que a Sanasa é, sim, um orgulho para Campinas e um exemplo para todo país. Exemplo de empresa pública, comprometida com a sustentabilidade nos serviços dos quais é responsável. Mas para que continue assim é fundamental que prossigam a transparência, a busca permanente pelo equilíbrio das suas contas, o aprimoramento constante das práticas ESG, o olhar atento para a necessária equidade e que seus processos considerem o cenário de toda a região, metropolitana e das bacias PCJ, e não apenas os interesses locais.
Também é importante que leve em conta os novos desafios impostos pela emergência climática global, que deve repercutir por exemplo nos regimes de chuvas. Novos períodos de estiagem extrema, como a que foi verificada em 2014, não estão descartados no âmbito das mudanças climáticas. Entre outubro de 2013 e março de 2014, Campinas viveu o período mais seco em mais de 120 anos, segundo o IAC.
Enfim, é muito saudável uma preocupação constante com o futuro. Essa é uma das premissas do desenvolvimento de fato sustentável.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]