Um dos filmes mais aguardados dos últimos tempos, ovacionado pelo público após a exibição de estreia no tradicional Festival de Cannes, em maio deste ano, “Assassinos da Lua das Flores” (“Killers of The Flower Moon”) chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (19). Posteriormente, será lançado na plataforma de streaming Apple TV+, responsável pela produção em parceria com o estúdio Paramount Pictures.
Com duração de 3h26, o novo trabalho do premiado diretor Martin Scorsese, considerado um dos mais importantes da história do cinema norte-americano e mundial, reúne nada menos do que seus dois maiores colaboradores: os astros Robert De Niro e Leonardo DiCaprio. Eles atuam juntos pela primeira vez em um longa-metragem do lendário cineasta de 80 anos, que escreveu o roteiro junto com Eric Roth. O elenco também conta com nomes como Lily Gladstone, Jesse Plemons e Brendan Fraser, vencedor do Oscar de melhor ator neste ano.
Baseada em fatos reais descritos no livro best-seller “Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, Morte e a Origem do FBI”, lançado pelo escritor americano David Grann, em 2018, a trama retrata uma onda de misteriosos assassinatos em série de membros da tribo indígena Osage, que habita uma região rica em petróleo no estado de Oklahoma, nos Estados Unidos. Esses crimes brutais ficaram conhecidos como “Reino do Terror” e foram um dos primeiros casos investigados pela agência que ficaria mundialmente conhecida como FBI.
Ambientado na década de 1920, portanto realizado cerca de 100 anos após os acontecimentos, e gravado exatamente na mesma região onde eles ocorreram, o filme “Assassinos da Lua das Flores” contou com o trabalho de um brasileiro nos bastidores, ainda na fase de pré-produção. O nome dele é Marcio Luís Soares Bezerra, um carioca de 47 anos, ex-militar, radicado há quase uma década nos Estados Unidos, justamente em Oklahoma, onde trabalha na área de segurança e saúde ocupacional.
“Eu fiz parte de uma equipe voltada a fiscalizar e monitorar atividades da produção, notadamente ligadas à segurança do trabalho, e mais especificamente aos trabalhos de retirada e limpeza de amianto e chumbo em várias locações usadas no filme”, explicou Marcio, em entrevista exclusiva ao Hora Campinas.
“Eu sou do Rio de Janeiro e minha esposa, de São Paulo. Mudamos para os Estados Unidos no final de 2014. Eu moro com minha família na cidade de Edmond, que fica na área metropolitana de Oklahoma City, na parte norte. Desde agosto de 2021, sou professor assistente na University of Central Oklahoma (UCO). Trabalho com segurança do trabalho e higiene industrial”, apresenta-se Marcio Luís Soares Bezerra, que presta serviços para a empresa Marshall Environmental Management, que opera em Oklahoma City, capital do estado de Oklahoma, na região centro-sul dos Estados Unidos.
“É muito bom viver aqui em Oklahoma, o estado é grande, mas a população é pequena, lembra até Goiás. Há brasileiros, mas são poucos quando comparados aos estados das costas leste e oeste”, compara Marcio.
“Eu trabalhei no projeto do filme no primeiro semestre de 2021. Comecei a monitorar as coisas lá em março de 2021, antes das filmagens iniciarem, mas depois que já haviam sido feitos reconhecimentos e inspeções em um monte de locações, entre novembro e dezembro de 2020. Fiquei até julho, na parte inicial das filmagens. Algumas locações foram adicionadas depois, ao longo de 2021”, relata Marcio.
“Como entrei na universidade em agosto, acabei não ficando até a conclusão dos trabalhos com o filme, mas já estavam quase concluídos quando eu deixei o projeto. Atualmente, eventualmente eu presto serviços (part-time) para a mesma empresa onde eu trabalhava antes de ser contratado full-time na universidade”, conta Marcio.
“As locações eram nas cidades de Pawhuska, Fairfax, Hominy e Bartlesville (creio que apenas uma pequena casa em Bartlesville), na região norte do estado de Oklahoma, no Condado de Osage (“Osage County”), área onde realmente teriam ocorrido os fatos que foram usados como base para o filme”, relata Marcio.
“Deu muito trabalho, porque as locações eram bastante antigas e várias delas abandonadas há muito tempo. Como também foram usadas por dentro, muita coisa teve que ser levada para outro local. O pessoal entrava para retirar amianto de texturas nas paredes, drywall, forros do teto, além de pinturas à base de chumbo, muito usadas antigamente. Enquanto eles faziam isso, eu monitorava o ar para confirmar que os trabalhadores estavam seguros. Ao final, eu verificava que estava tudo limpo e que os riscos de alguém ser exposto a amianto e chumbo eram mínimos”, explica Marcio.
Ele ressalta a importância desse tipo de trabalho para garantir a segurança de todos os profissionais envolvidos, a partir da identificação e análise de possíveis ameaças à saúde dos trabalhadores por meio de exposições químicas, físicas ou biológicas. “O pessoal poderia ter sido exposto a contaminantes perigosos e a OSHA (Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos) poderia ter multado em vários milhares de dólares”, comenta Marcio.
Além disso, também havia a preocupação com a pandemia de Covid-19, embora a vacinação já estivesse em estágio avançado em Oklahoma. “Em 2021, as coisas já estavam mais tranquilas aqui no estado. Acho que a maioria já estava vacinada, mas como muita gente veio da Califórnia, eles seguiam muitos dos padrões de lá. Aqui, a situação da máscara, por exemplo, já não estava tão estressante, mas no set eles obrigavam que todos estivessem de máscara”, recorda-se Marcio.
“O trabalho normal já requer o uso de máscaras e respiradores, mas tínhamos que permanecer com máscaras também fora dos locais de trabalho e nos intervalos. Havia ainda restrição na quantidade de pessoas para não ter muita gente no mesmo lugar”, relembra Marcio.
“Segurança do trabalho é algo muito importante e envolve bastante coisa, incluindo produções de filmes. Recentemente, por exemplo, uma diretora de fotografia morreu num acidente com arma. Mas nosso trabalho não envolvia essa parte. Para esse tipo de coisa, há outra equipe”, comenta Marcio, fazendo referência ao trágico episódio envolvendo a diretora de fotografia ucraniana Halyna Hutchins.
Ela morreu no dia 21 de outubro de 2021, portanto há quase exatamente dois anos, vítima de um disparo acidental do famoso ator Alec Baldwin, durante as gravações do filme “Rust”, no Novo México. O caso ganhou grande repercussão e levantou discussão sobre o uso de armas reais em sets de filmagem. Baldwin foi inocentado das acusações de homicídio, mas a produtora do filme foi multada em cerca de US$ 137 mil devido à grave falha de segurança.
Estação de trem reativada
Filme com maior orçamento de toda a carreira do diretor Martin Scorsese, “Assassinos da Lua das Flores” custou US$ 200 milhões de dólares, superando os US$ 175 milhões de “O Irlandês”, filme anterior do cineasta, lançado pela Netflix, em 2019.
“Para dar um exemplo da complexidade, a estação usada no filme é uma estação desativada, então tiveram que transportar um trem com vagões até Pawhuska para poderem colocá-lo nos trilhos e fazerem as cenas na estação. Outro detalhe é que as ruas eram asfaltadas, então precisaram colocar terra em cima e depois tirar”, revela o brasileiro Marcio Luís Soares Bezerra.
“Estou bastante animado para assistir no cinema, principalmente para poder identificar as casas e locações onde eu estive. Está sendo bastante divulgado na TV desde o mês passado. Eu li algumas coisas falando que foi a melhor atuação da carreira do Leonardo DiCaprio”, esfrega as mãos Marcio, ansioso para conferir o filme nas telonas.
Como a parte final de seu trabalho coincidiu com o início das filmagens, Marcio chegou a acompanhar, de longe, algumas gravações. “Foram poucas vezes, à distância. Scorsese, DiCaprio e De Niro tinham, cada um, um carro tipo Escalade todo filmado, que não dava para ver nada dentro. A segurança em torno deles era muito forte. Eles chegavam direto no local, faziam as tomadas e saíam com tudo isolado”, conta Marcio.
“Não é algo que acontece muitas vezes, mas nos últimos anos várias produções têm sido feitas aqui em Oklahoma, como a série Tulsa King, com o Sylvester Stallone, e a continuação de Twister, que está sendo filmada agora”, lista Marcio.
A tríade Scorsese, De Niro e DiCaprio
Recém-lançado nos cinemas brasileiros, “Assassinos da Lua das Flores” é o 10º filme do diretor Martin Scorsese com a participação do ator Robert De Niro, ambos aos 80 anos hoje. A parceria nas telonas entre os dois ícones do cinema começou há exatamente 50 anos, com “Caminhos Perigosos”, de 1973. Depois disso, eles também trabalharam juntos em “Taxi Driver” (1975), “New York, New York” (1977), “Touro Indomável” (1980), “O Rei da Comédia” (1982), “Os Bons Companheiros” (1990), “Cabo do Medo” (1991), “Cassino” (1995) e “O Irlandês” (2019).
Além disso, “Assassinos da Lua das Flores” é o 6º filme de Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio, de 48 anos, segundo maior colaborador do cineasta. Eles começaram a trabalhar juntos há duas décadas, em “Gangues de Nova York” (2002), e retomaram a parceria após 10 anos do sucesso de “O Lobo de Wall Street” (2013). Os outros filmes da dupla são “O Aviador” (2005), “Os Infiltrados” (2006), vencedor do Oscar de melhor filme e diretor, e “Ilha do Medo” (2010).
Reunidos pela primeira vez em um longa-metragem de Martin Scorsese, Robert De Niro e DiCaprio voltam a trabalhar juntos depois de 30 anos, sem contar o curta-metragem “A Audição” (2015), também dirigido por Scorsese. Em 1993, eles protagonizaram o filme “Despertar de um Homem”, que serviu como cartão de visitas de DiCaprio, então um jovem de apenas 18 anos, enquanto De Niro já beirava os 50.
Na época, o veterano ficou impressionado com a atuação do novato e foi o responsável por recomendá-lo ao velho amigo Scorsese, que uma década depois teria a oportunidade de trabalhar com o talentoso garoto, àquela altura já uma estrela de Hollywood.