Sábado, 2 de março de 1996. Foi exatamente nessa data, há 28 anos, que a música brasileira perdeu o talento e a irreverência dos Mamonas Assassinas, a banda que conquistou o coração de milhões de fãs e marcou toda uma geração com canções criativas, letras engraçadas e performances cômicas. Uma incrível ascensão meteórica interrompida por um trágico acidente aéreo que matou todos os integrantes do grupo no auge do sucesso e da popularidade, abalando o Brasil inteiro.
Ao longo de apenas oito meses, após estourarem de forma quase instantânea e se consolidarem como o grande fenômeno do momento, os Mamonas atravessaram o país para tocar em dezenas de cidades, sempre arrastando multidões e deixando memórias inesquecíveis por onde passavam.
Em Campinas, foram dois shows em um intervalo de menos de dois meses. O primeiro aconteceu no dia 5 de outubro e o segundo no dia 26 de novembro de 1995, ambos realizados na antiga casa noturna Pachá Brasil, que marcou a cena musical da cidade nos anos 90. O local ficava na Rua Armando Strazzacappa, número 130, Fazenda Santa Cândida (mesmo endereço onde hoje funciona o Campinas Hall).
“O primeiro show, na parte interna, foi antológico, com gente saindo pela janela. Foi o recorde de bilheteria da Pachá até aquele momento, com 4.227 pagantes”, revela com precisão o produtor Elcio Yoshii.
“O segundo show também foi maravilhoso, a Pachá abriu a parte externa, nunca tinha acontecido isso”, recorda-se Elcio, que produziu mais cinco shows dos Mamonas no interior paulista, sendo outros dois na região de Campinas – um em Barão Geraldo e outro em Paulínia.
“O show do grupo paulista Mamonas Assassinas, que aconteceu anteontem na Pachá Brasil, reuniu quatro mil pessoas. Como a capacidade total da casa noturna não ultrapassa os 2,5 mil espectadores, quem assistiu à apresentação viveu também uma noite de aventura. Os primeiros sinais de que haveria superlotação começaram a ser notados logo na entrada da boate. Estacionar o carro, por exemplo, era uma atividade que exigia paciência e disposição”, relatou o jornal Correio Popular, em sua edição de sábado, 7 de outubro de 1995, dois dias após o show.
“O show foi bem-humorado e o grupo tocou todos os hits de seu disco de estreia, ‘Mamonas Assassinas’, que satiriza cantores populares como Falcão, Amado Batista, Fagner e o cantor português Roberto Leal. A performance do grupo incluiu figurinos diversificados no decorrer do espetáculo, entre eles o momento em que um dos integrantes da banda se travestiu de Chapolin, o herói de um dos seriados infantis do SBT”, descreveu a reportagem do Correio Popular.
“Na entrada, mais filas. Lá dentro, transitar na pista ou nas escadas era missão praticamente impossível. A temperatura ambiente era de sauna úmida, mas depois da 1 hora da manhã não havia mais cerveja. Muitas pessoas que pagaram para ver o grupo não conseguiram sequer chegar perto do palco. Quem não viu, também não pôde ouvir, já que o som chegava distorcido nas dependências da casa de espetáculos. A produção da banda tentou inutilmente impedir a plateia de se aproximar. Na eventualidade de um incêndio, briga ou confusão, as saídas de emergência eram avistadas”, informou a matéria do Correio Popular.
Memórias da Pachá
Responsável pela discotecagem da Pachá Brasil a partir de 1995, justamente o ano dos dois shows dos Mamonas Assassinas, o DJ Thiago Cazzaro conta como começou a trabalhar lá e também dá detalhes sobre essa casa noturna campineira que durou entre 1992 e 1997.
“Eu comecei a trabalhar na Pachá em meados de 1994, a princípio como light designer (iluminador, como se dizia na época), a convite do DJ André Luchi, renomado DJ de Campinas. Aos poucos, fui assumindo a discotecagem em dias que demandavam um repertório fora do escopo dance/house music da casa. Minha experiência como vendedor de lojas de discos me ajudou a ter esse repertório diversificado. Em 1995, me tornei DJ residente”, conta Thiago Cazzaro.
“A Pachá era uma casa que comportava confortavelmente 2.500 pessoas, mas houve noites que ultrapassaram 3 mil. Sobre a localização, é importante destacar que havia um acesso direto da Rodovia D. Pedro. A casa contava com seis bares e um restaurante; uma área interna dividida entre pista (visão para o palco) e camarotes; uma área externa grande com jardim e lago ornamental e um amplo estacionamento. Sua infraestrutura contava com banheiros masculinos e femininos na pista e no camarote, uma enfermaria (raro pra época), além de infraestrutura de apoio (camarins, banheiros com chuveiros nos camarins, estoques, escritórios, caixas, banheiros para funcionários, cozinha industrial, etc)”, detalha Cazzaro.
“A casa estava habituada a receber diversos shows, mas o do Mamonas Assassinas realmente surpreendeu pela lotação. Não havia um centímetro sequer de espaço vazio. O sucesso foi tão grande que já se agendou a segunda apresentação para dali um mês e meio, só que desta vez seria ao ar livre, no estacionamento, para um público de cerca de oito mil pessoas”, relembra Thiago Cazzaro.
“A casa tremia literalmente (à época a estrutura toda era em steel frame e assoalhos de madeira), mas o que mais me marcou pessoalmente, para além do frenesi dos fãs na hora do show, foi o que aconteceu nos bastidores, mais precisamente durante a passagem de som: a banda realmente se divertia muito entre si e não demorou muito para estenderem a ‘zoação’ para qualquer um que estivesse por perto, Dinho, brincando com os efeitos na voz para a música ‘Robocop Gay’, começou a brincar com um dos faxineiros da casa, arrancando gargalhadas dele a cada vez que aquela voz metalizada falava na personagem do Robocop. Não era possível não se contagiar com a alegria”, ressalta Thiago Cazzaro.
“Já no segundo show, acredito que pela posição em que fiquei nos bastidores, pude observar melhor a performance do Bento, o guitarrista. Ele realmente tinha um domínio e versatilidade de dar inveja”, destaca Cazzaro.
Algazarra no estúdio
A inesquecível passagem dos Mamonas Assassinas pela cidade de Campinas, no fim de 1995, também ficou marcada pela visita da banda aos estúdios da rádio Nova FM (atual Nova Brasil FM), que à época funcionava na Rua Orlando Carpino, número 237, no Jardim Chapadão. A emissora fazia a promoção dos shows.
Na tarde do dia 5 de outubro de 1995, mesma data da primeira apresentação do grupo na cidade, os integrantes dos Mamonas participaram do programa humorístico musical “Grafite”, antiga atração transmitida de segunda a sexta-feira, das 14h às 16h, com apresentação da dupla Yankee Hungria Lopes e Charles Eduardo.
“O mais interessante é que eles eram ouvintes da nossa rádio em São Paulo, pois os programas daqui eram os mesmos de lá. Eles foram super atenciosos, como se fôssemos amigos de longa data. Entraram no estúdio e ficaram gravando textos dentro da cabine. Fizeram vinhetas e até algumas imitações”, lembra Charles Eduardo. “O Dinho fez a abertura do programa imitando o Gil Gomes, entre outras palhaçadas”, acrescenta Yankee.
Depois, à noite, os dois locutores foram os responsáveis pela apresentação do show dos Mamonas na Pachá. “A gente chegou mais cedo para colocar as faixas da rádio e o que me chamou a atenção foi a quantidade de crianças do lado de fora que queriam pegar autógrafo. Aí o Dinho teve a ideia de colocar todo mundo para dentro e eles fizeram um pocket show para a molecada. A passagem de som acabou virando um showzinho particular lotado, com as crianças na frente do palco e os pais um pouco mais para trás”, lembra Charles.
Os antigos parceiros Charles Eduardo e Yankee Hungria Lopes também lembram que a Nova FM Campinas foi a primeira estação de rádio a tocar o disco inteiro, autointitulado, dos Mamonas Assassinas. O álbum foi lançado no dia 23 de junho de 1995, menos de seis meses antes dos shows em Campinas.
“O Kaká Padula, da gravadora EMI-Odeon, trouxe o primeiro single (‘Vira-Vira’) e tocamos à revelia, pois a chefia da rádio não queria deixar. Passou uma semana e o Kaká nos entregou o disco completo, que segundo ele ninguém tinha recebido ainda, então fomos a primeira rádio a tocar todas as músicas dos Mamonas”, recorda-se Charles.
“Nós trancamos a porta do estúdio e o Cesinha, então coordenador da rádio, batia no vidro pedindo para parar. Fizemos um programa especial só de Mamonas e quase perdemos o emprego”, brinca Lopes.
Tragédia aérea
O avião de pequeno porte que transportava os Mamonas Assassinas caiu na noite de sábado, dia 2 de março de 1996, às 23h16, ao colidir contra a Serra da Cantareira, em São Paulo.
Morreram todos os indivíduos a bordo, nove no total, incluindo os cinco integrantes da banda: o vocalista Dinho, o guitarrista Bento Hinoto, o baixista Samuel Reoli, o seu irmão, o baterista Sérgio Reoli e o tecladista Júlio Rasec. As outras quatro vítimas fatais foram o piloto, o copiloto, o assistente de palco e o segurança do grupo.
A banda voltava de Brasília, após realizar um show naquela mesma noite, no Estádio Mané Garrincha, e estava prestes a alçar vôos internacionais, pois tinha apresentações agendadas em Portugal para a semana seguinte.
O desastre aéreo ganhou grande repercussão na mídia e gerou uma enorme comoção popular, com proporção semelhante à do acidente automobilístico que, dois anos antes, tinha matado o piloto brasileiro Ayrton Senna, bicampeão da Fórmula 1.