Vocês sabiam que em Campinas existe um grupo de acolhimento gratuito de mães enlutadas? Ele se chama ProSeguir e foi idealizado pelo Fraternidade Sem Fronteiras em 2019 e abraçado pela psicóloga e tanatóloga (pessoa que estuda cientificamente a morte) Monica Serpentini. Em Campinas, os encontros são quinzenais e ocorrem a cada 15 dias, no Espaço Gaia, no Taquaral.
O projeto deu tão certo que acabou servindo de inspiração para a formação de grupos em outras cidades. Em Holambra ocorre no Espaço Bloemendaal e é conduzido por Doni Candido e, em Americana, acontece na clínica Humanamente, coordenado por Adriana Lobo.
Falar sobre a morte ainda é um tabu na nossa cultura. Muita gente faz de conta que ela não existe. “É um assunto que as pessoas evitam falar. O fato de não falar dificulta ainda mais o processo de luto para todos”, diz a psicóloga Monica Serpentini, que ressalta que os encontros não têm qualquer cunho religioso.
Muitas vezes quem perde um ente querido acaba sendo cobrado a não estender por muito tempo a dor da perda.
“As pessoas querem impor o tempo que se pode sofrer, cobram atitudes. Falta espaço para os enlutados conversarem, chorarem, colocarem para fora toda a dor e sofrimento que estão sentindo. Não se permite ao enlutado falar sobre a pessoa que morreu. E ainda existem pessoas pouco aptas em lidar com o sofrimento e a dor do outro”, destaca.
A psicóloga conta que a ideia do acolhimento exclusivo de mães enlutadas surgiu dentro da ONG Fraternidade sem Fronteiras, onde ela é voluntária. “Percebemos que havia uma grande demanda de mães que perderam seus filhos e que precisavam de um espaço de escuta e fala. Foi a partir dessa demanda que o atual vice-presidente Ranieri Dias sugeriu a criação de um pequeno grupo. No começo os encontros ocorriam no local onde funciona o bazar da fraternidade”, conta.
Monica destaca que nos encontros percebeu o quão delicado é o processo de luto. “Apesar de muitas reações serem comuns, cada pessoa passa por esta experiência de maneira individual. Foi então que resolvi me especializar e fiz uma pós-graduação em tanatologia”, diz.
Nos encontros quinzenais, as mães enlutadas se conectam entre si e acabam se identificando com os sentimentos umas das outras, se sentem pertencidas, seguras e acolhidas dentro de um ambiente sem julgamentos.
“Neste local elas tem espaço para se expor, choram, entendem que o processo de luto não é regido e delimitado por nenhum tempo, reconhecem que muitas de suas reações são comuns. Entendem que o que sentem não é loucura ou depressão como a maioria preconiza”, diz.
É permitido sofrer e chorar
Dentro do grupo existe esta permissão de chorar e manifestar suas dores. “A troca de experiências fortalece cada uma das participantes trazendo segurança, conforto e auxiliando a ressignificarem seus lutos de maneira natural. Isso contribuí para que sigam da melhor forma possível com suas vidas. Suas novas vidas”, conta a psicóloga. Monica destaca que nas reuniões há também espaços para risadas, reencontros internos e acolhimento fraternal.
Márcia Pires Uzum, 56 anos, conta que tem dois filhos maravilhosos. “O Guilherme no céu e o Júlio Cesar aqui na terra. Ela conta que Guilherme morreu há três anos e há dois anos, por indicação de uma amiga começou frequentar o grupo.
“No começou eu relutei muito em participar do grupo. Eu imaginava que iríamos falar e ouvir somente sobre a morte e chorar todo o tempo. Para mim seria muito difícil falar sobre o meu sofrimento e escutar o de outras, eu não aguentaria. Mas depois de muita insistência desta amiga resolvi conhecer”, diz.
Ela acredita que o grupo a tem ajudado a olhar além: “Hoje tenho a consciência que entreguei meu filho para Jesus e não o perdi. Foi muito difícil, mas hoje eu tenho a sabedoria e a gratidão na fé fortalecida de que tudo está em seu devido lugar. Ainda sinto muita saudade e uma grande dor, seria mentira se eu negasse, existe uma desilusão dentro do meu coração. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma força e uma fé que reascendeu quando comecei a participar deste grupo maravilhoso. Me abrir para a vida e acredito que eu preciso continuar”, diz.
Ajudando a viver, apesar da dor
Sueli Borges, 52 anos, é mãe do Robson e da Camila. “Há três anos minha filha estava com 24 anos teve leucemia, o meu filho foi o doador 100% compatível. Foi feito o transplante em janeiro de 2021 e ela teve Covid-19. Como estava muito fraca ela morreu no dia 21 de janeiro de 2021”, conta.
Para ela, o ProSeguir a ajuda a superar a dor. “Vejo outras mães sentindo a mesma dor. E a psicóloga Mônica nos ajuda muito. Os encontros me ajudam a seguir em frente e ver que preciso continuar a vida por mim e pela minha família que continua aqui. Aprendi, mesmo com a dor, a continuar”.
Cláudia Mara Ferreira é mãe da Aline Milena que teve um AVC hemorrágico e morreu aos 26 anos, em maio de 2023.
“Meu mundo desabou por completo. Fiquei sem chão, perdida de tristeza e revoltada, chorava muito com a partida de Aline. Hoje ainda faço terapia individual e participo do grupo ProSeguir onde mães enlutadas devolveram seus filhos e filhas pra Deus. Juntas vamos aprendendo a suportar e ressignificar a dor. Sabemos que a tristeza jamais será apagada, mas a cada encontro, com o convívio com outras mães, nos identificamos, pois, cada uma sabe exatamente o que você passa e, de certa forma, isso ajuda muito. Para mim, estes encontros são indispensáveis”, conta Cláudia.
“Depois de 9 meses ainda tenho muitas recaídas, choro muito, tenho saudades constante. Ainda dói muito. Mas, com a força do grupo, estamos prosseguindo a cada dia, reunindo força para continuar na luta”, diz.
Para saber mais informações sobre o ProSeguir: https://www.instagram.com/proseguir.maesenlutadas?igsh=MTh4eHRhd2s2emFhZQ==
Kátia Camargo é jornalista e nunca achou a morte um tema fácil para falar, viver e nem escrever. Ao conhecer o trabalho do ProSeguir, sentiu a importância do grupo em cada depoimento e resolveu escrever para que outras mães conheçam esse importante trabalho. Como não conseguiu escolher uma sugestão única, reuniu algumas dicas que abordam o tema luto e saudade.
Uma música
Para as mães e todos que lidam com a dor da perda, a saudade, mas principalmente o amor que é imortal, Tudo Que a Fé Pode Tocar, Tiago Iorc:
Um livro
Como acredito que a escrita pode ser terapêutica queria indicar um livro que estou lendo onde a autora escreve cartas para o irmão que ficou 15 anos em coma, antes de partir.
Pra Quando Você Acordar, Bettina Bopp – crônicas de saudade e espera
Um filme
As Mães de Chico Xavier. Este filme me sensibilizou bastante pois durante um trabalho tive a oportunidade de visitar Chico Xavier e quase todas as pessoas que entrevistei eram mães que haviam perdido seus filhos.