Nos últimos dias, os conflitos na Ucrânia têm se alastrado rapidamente por países europeus, além dos EUA, que tentam repreender os ataques militares da Rússia através de sanções econômicas que têm trazido até mesmo a China para a mesa de negociações. Estima-se que mais de um milhão de pessoas já tenham deixado a Ucrânia às pressas – e o número pode se tornar muito maior caso não haja um cessar-fogo bilateral entre Rússia e Ucrânia nos próximos dias.
É indiscutível que o apoio humanitário a refugiados de guerras e catástrofes é um dos pilares das civilizações democráticas, mas, lamentavelmente, tem chamado atenção o discurso etnocêntrico e racista que busca mover a opinião pública a favor da Ucrânia, onde vivem “pessoas brancas, cristãs, de olhos azuis”, criando profundos contrastes com situações onde outros movimentos democráticos buscam, também, autonomia e legitimidade política, o fim das guerras e apoio para desenvolvimento socioeconômico.
Palestina, Curdistão, Chiapas (no México) e muitas lutas aqui mesmo, no Brasil, como as protagonizadas pelo MST, MTST, por povos indígenas, quilombolas e a classe trabalhadora, continuam silenciadas ou criminalizadas por uma percepção neoliberalista, vendida pela grande imprensa como alternativa a governos autoritários vinculados genérica e superficialmente à “esquerda” ou “ao comunismo” (como Rússia e China).
Por um lado, no campo político-ideológico, o presidente brasileiro flerta com o totalitarismo de Putin e, por outro, ganha força novamente o discurso de “armar o cidadão de bem” para “ucranizar” o Brasil e evitar que governos “corruptos e comunistas acabem com a liberdade”.
Caminhos teoricamente distintos, mas que levam, fatalmente, ao mesmo destino antidemocrático, de violência e opressão. Por isso, combater intervencionismos, seja da OTan ou da Rússia, e lutar pela autodeterminação dos povos nas democracias populares vai muito além das questões territoriais tradicionais das guerras até o século XX.
Os limites, as fronteiras e as formas de controle permeiam cada vez mais os espaços digitais e o imaginário popular através de fake news, pós-verdade e deepfakes de forma muito mais agressiva do que a propaganda típica da Guerra Fria que conhecemos entre 1945 e 1991.
Por fim, é preciso questionar se a adesão da Ucrânia à União Europeia (bloco que concorre com a CEI, liderada pela Rússia) e à Otan (aliança militar oposta à URSS/Rússia) caminha realmente para a construção de democracias populares, de fortalecimento dos Direitos Humanos, das liberdades individuais e garantias sociais coletivas, ou se trata-se muito mais de satisfazer os interesses de bilionários ligados aos setores de combustíveis fósseis, armamentos, especulação financeira e ao enfrentamento da expansão russo-chinesa na economia capitalista global.
Na busca por heróis e vilões, é preciso lembrar que, nas guerras, a maioria das vítimas são cidadãs e cidadãs comuns, geralmente em vulnerabilidade socioeconômica, executadas pelo fogo cruzado na guerra entre os poderosos que sequer pisam nos campos de batalha.
Todo cuidado é pouco para não repetir os erros do passado, como quando o nazismo foi saudado pela Ucrânia para fazer frente ao autoritarismo de Stalin, ou quando armas nucleares de destruição em massa usadas pelos EUA assassinaram mais de 150 mil pessoas no Japão em nome da paz.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e artes