Se houvesse um verbo derivado de um nome próprio para rimar com honrar ele seria fernar, e se abusássemos da concordância de gênero onde não existe, ela estaria nos ‘fernanda’. Tenho medo de ficar na torcida pela Fernandinha para que não seja apenas torcida e sim reconhecimento por seu talento.
Dentre vários filmes necessários, Fernanda Torres faz mais um deles, especialmente para os tempos bicudos em que vivemos. A concorrência entre os filmes há muito tempo vai além das telas e da aceitação do público.
Sabemos que “Ainda estou aqui” não teve o mesmo estouro que consagrou “Central do Brasil”, mas seria muito bom Fernanda Torres pelo menos repetir o feito da mãe, Fernanda Montenegro, e ser indicada a melhor atriz no Oscar. Já venceu a etapa do Globo de Ouro, e, agora já não é apenas torcida.
“Ainda estou aqui” e Fernanda Torres interpretando Eunice Paiva, a viúva de Rubens Paiva, assassinado pela ditadura, são finalistas do Globo de Ouro, uma das maiores premiações mundiais do entretenimento, talvez superada apenas pelo Oscar.
Ao contrário do futebol, ser nomeado já é uma vitória, independente do resultado final. Mas já recebi mensagens do pessoal de direita torcendo contra, o que é esperado, uma vez que não admitem que o Brasil relembre seu sombrio passado recente que volta a nos rondar. Será difícil a Fernandinha ganhar das outras talentosas atrizes, mas o filme tem um pouco mais de chance. A torcida continua para a lista dos finalistas do Oscar, portanto.
A Fernandona entrou na Academia Brasileira de Letras, o que já torceu narizes de quem crê que literatura é exclusiva dos clássicos e seus imitadores, não permitindo outras vozes e vezes. Fernanda Torres, também escritora, mas ainda sem as pretensões acadêmicas da mãe, sem o saber, foi a que me apresentou a revista piauí.
Interessante que ela afirma que queria ter sido médica e praticamente foi forçada a ser atriz para poder estar com os pais, ambos atores da mais nobre estirpe. Fico imaginando a tenacidade de Fernando Torres e Fernanda Montenegro impondo essa condição à Fernandinha. Mas, de qualquer forma, se ela não virou médica, ao menos nos curou de muita tragédia humana com seus papéis e interpretações.
Para constar, uma instigante coincidência é que Eunice Paiva morreu em 13 de dezembro de 2018, data em que se completavam 50 anos do famigerado Ato Institucional número 5 (AI-5) que consolidou a ditadura sangrenta no Brasil.
O mesmo 13 de dezembro desta sexta-feira de 2024, seis anos da morte de Eunice e 56 do AI-5. Em 1968, o dia também caiu numa sexta-feira. O golpe surgiu num Primeiro de Abril e se consolidou numa Sexta-feira, 13. Para supersticiosos, é um prato cheio.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia de Letras de Lorena, da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia Campinense de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.











