O ano de 2015 trouxe para Antônio Carlos da Cruz de Jesus, de 43 anos, vários convites para ele entrar para o mundo da corrida de rua e não sair mais. Primeiro, esse coletor de lixo, que trabalha há 21 anos na área e para exercer a função corre cerca de 25 km por dia recolhendo os sacos de lixo nas ruas, foi desafiado pelos amigos a participar da Corrida Integração.
Dias depois encontrou, numa lixeira, um par de tênis, em ótimo estado. O calçado o ajudou a cumprir a prova de 10 km e ainda chegar na frente de todos os outros garis. E foi também durante essa corrida que ele reencontrou dois amigos de infância que o convidaram para participar de um grupo de corrida.
Mal sabia ele que tudo isso ajudaria a voltar a acreditar em suas potencialidades e ajudar a vencer seus desafios. Carlinhos, como é carinhosamente chamado pelos amigos, conta que o ofício de coletor de lixo exige bastante preparo físico e disposição.
“Quando participei dessa corrida eu acreditava pouco em mim. Fui correr por brincadeira e, na época, eu também era alcoólatra e usuário de drogas”, lembra.
Foi na corrida Integração que Carlinhos reencontrou os irmãos André e Leandro Diniz, amigos dele desde a infância. Eles ficaram impressionados com o desempenho de Carlos na corrida e, ao mesmo tempo, preocupados com o caminho das drogas que amigo estava percorrendo.
“Eles foram atrás de mim e me convidaram para participar do grupo de corrida deles. No começo eu fugia, dava desculpas, pois nem eu acreditava em mim. Minha sorte é que eles não desistiram. Até que um dia eu comecei a treinar com eles. Logo depois eles me levaram para uma corrida em Mogi Mirim e eu cheguei em segundo lugar. E nos treinos, por trabalhar como gari, eu me desenvolvia rapidamente”, lembra.
Nas conversas e nos treinos André sempre ressaltava o potencial de Carlinhos e insistia que se ele parasse com as drogas e a bebida poderia chegar ainda mais longe na corrida de rua.
Passo a passo Carlinhos começava a sentir que o suor e a endorfina dos treinos traziam mais ânimo e coragem, isso foi gerando nele o desejo de abandonar os vícios que, aos poucos, se tornaram desnecessários.
Um novo tênis e pés fora do Brasil
Na terceira corrida que participaria, Carlinhos notou que o prêmio seria um par de tênis para os cinco primeiros colocados. Ele comentou com o André que seria muito bom se conquistasse o prêmio, pois o tênis que usava até então, encontrado no lixo, estava precisando se aposentar. André, de novo, incentivou o amigo: “Vai lá e corre, você faz isso muito bem. Eu acredito muito em você!” E Carlinhos correu e ganhou o primeiro lugar e um par de tênis novo.
Mas, nessa prova, Carlinhos não conquistou apenas o novo tênis, ele também começou a ganhar confiança e acreditar na sua capacidade. Outras corridas vieram, uma maratona e uma ultramaratona o levaram ao pódio, o segundo mais rápido em ambas.
Em 2019, incentivado pelos amigos, Carlinhos foi participar de uma corrida no Chile e ficou em primeiro lugar. “André e os amigos fizeram uma vaquinha, rifa e pagaram minha inscrição. Eu consegui chegar em primeiro lugar. Não tem como negar que o esporte mudou minha vida radicalmente, além de me fazer enxergar paisagens que eu nunca imaginei”, conta.
Atualmente Carlinhos corre os 25 km diários como gari e ainda treina segunda, quinta, sábado e domingo na corrida de rua. E na quarta e na sexta faz fortalecimento muscular. Ele tem até um preparador físico, Bruno Gross, e uma treinadora, Carol Furriela, que o incentiva a ir ao infinito e além.
Já se passaram seis anos da primeira corrida e do reencontro com os irmãos André e Leandro. Carlinhos continua correndo, tanto como coletor quanto como corredor de rua. A diferença é que agora enxerga o seu valor, as suas potencialidades, tem orgulho de ser inspiração para outras pessoas e não desiste dos seus sonhos.
Em sua lista estão: participar de mais uma corrida internacional e explorar as ruas dos mais diversos lugares do Brasil. E, se depender de seu esforço e dedicação, Carlinhos pretende fazer a próxima Corrida Integração no tempo de 30 minutos. Vai lá Carlinhos, corre! Torcida não vai faltar!
Kátia Camargo é jornalista. Nunca correu por esporte, mas sempre escuta relatos do quanto a corrida é transformadora. Na verdade, suas experiências de sair correndo são sempre de desespero quando não está dando conta de enfrentar sua realidade. Acredita que depois de escutar essa história consegue enxergar a corrida como um encontro e não como uma fuga.