A 6ª Vara do Trabalho de Campinas condenou a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) e a Construtora Viasol Ltda. ao pagamento de indenizações a título de danos morais coletivos, nos valores de R$ 200 mil e R$ 1 milhão, respectivamente. Em 2019 foram efetuados resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão em três canteiros de obra sob responsabilidade das rés, nas cidades de Aguaí, Jaguariúna e Rafard.
Ambas foram condenadas a cumprir de uma série de obrigações trabalhistas em empreendimentos conduzidos por elas, com especial atenção às condições de saúde e segurança, de alojamentos de trabalhadores e ao pagamento de salários e verbas rescisórias. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15).
A sentença do juiz Rafael Marques de Setta, proferida nesta quinta-feira (2), confirmou as obrigações impostas em liminar proferida em março de 2021, determinando as seguintes obrigações à Construtora Viasol: não manter trabalhadores sob condições contrárias à lei, em especial a submissão ao regime forçado de trabalho, garantindo ambiente de segurança, higiene e salubridade; manter alojamentos em condições salubres.
Além disso, deve fazer a prevenção de incêndios; fornecer uniformes e equipamentos de proteção individual; exigir exames médicos; conceder descanso semanal remunerado; pagar salários, FGTS e 13º salário em dia e de forma integral, bem como garantir o pagamento das verbas em rescisões de contrato, sob pena de multa de R$ 10 mil por infração e por trabalhador prejudicado.
Pelos danos morais coletivos, a Viasol deve pagar indenização no valor de R$ 1 milhão.
CDHU
A CDHU, por sua vez, deve fiscalizar o cumprimento da lei trabalhista em suas prestadoras de serviços, de forma que nenhum trabalhador seja submetido a condições contrárias às disposições da proteção do trabalho, ou seja submetido a condições de trabalho forçado. A pena pelo descumprimento será de multa de R$ 10 mil por infração. A CDHU deve pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 mil.
Histórico
De acordo com o MPT Campinas, entre os meses de agosto e setembro de 2019, foram flagrados trabalhadores migrantes em condições análogas à escravidão em três municípios do interior paulista, por meio de operações conduzidas pelo MPT e pelo Grupo de Combate ao Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo (SRT-SP). A procuradora Marcela Dória conduziu as investigações, sendo responsável também, pelo ajuizamento da ação civil pública.
Jaguariúna
Em Jaguariúna, a SRT-SP resgatou nove operários que permaneciam alojados em condições precárias, sem receber salários por três meses. Os auditores fiscais do trabalho constataram que os trabalhadores eram empregados da Viasol, contratada pela CDHU para a execução de diversas obras habitacionais no estado de São Paulo. Na ação fiscal, a CDHU e a Viasol foram responsabilizadas pelas condições a que os trabalhadores foram submetidos.
A maioria dos migrantes foi recrutada pela Viasol no Maranhão. A empresa os mantinha alojados em condições precárias de segurança e higiene em uma obra abandonada pertencente à empresa, sem proteção contra intempéries e sem contar com energia elétrica, água potável e alimentação em quantidade suficiente. Além disso, os trabalhadores estavam há três meses sem receber salários e sem possibilidade de retornar às suas cidades de origem.
Com base na auditoria dos contratos firmados entre as empresas, os fiscais atribuíram responsabilidade também à CDHU pela situação de precariedade enfrentada pelos trabalhadores. Houve ainda o descumprimento, por parte da empresa pública, da Convenção OIT nº 94, que trata de contratos realizados por órgãos públicos.
Segundo o MPT, em Aguaí e Rafard, nove trabalhadores foram abandonados pela Viasol, nas obras de construção de casas populares da CDHU nos dois municípios. A empresa desapareceu e deixou os trabalhadores, todos migrantes da região Nordeste, sem salários e sem moradia.
Recurso
Em nota, a CDHU afirmou que irá recorrer da decisão por não concordar sentença proferida. Segundo a companhia, o resgate de trabalhadores em suposta situação de trabalho análoga à escravidão decorreu única e exclusivamente em função do abandono dos canteiros de obras pela Construtora Viasol, a qual não quitou os direitos trabalhistas para os seus empregados, motivo pelo qual eles alegaram dificuldades para retornar a suas cidades de origem, o que não pode ser confundido com trabalho forçado ou rebaixamento a condição análoga à escravidão.
Ressaltou ainda que os trabalhadores foram localizados pela fiscalização do trabalho fora dos canteiros de obra, em imóvel anexo à sede da Viasol em Jaguariúna, cidade na qual não havia qualquer serviço sendo prestado por esta empresa para a CDHU.
“Cabe esclarecer ainda que, quando teve conhecimento do caso, a CDHU tomou as providências cabíveis, pagando diretamente para os trabalhadores os valores devidos pela Viasol e custeando o seu retorno às cidades de origem. A CDHU fiscaliza rotineiramente os canteiros de obras, assim como o cumprimento das normas de higiene e segurança do trabalho e demais obrigações trabalhistas por parte de suas contratadas, e repudia toda forma de exposição dos trabalhadores a condições degradantes ou de trabalho forçado”, afirmou.
“Por estes motivos, a sentença proferida não reflete a realidade dos fatos, de modo que a CDHU irá recorrer para a instância superior do TRT da 15ª Região”, concluiu.
A reportagem não conseguiu contato com a Viasol.