A transformação de uma das regiões mais antigas e tradicionais de Campinas, cuja origem se confunde com a própria fundação da cidade, no século XVIII, ganhou as páginas do livro “Do cortiço à elite: a história do bairro Cambuí”, escrito pela jovem jornalista Camila Defendi, de 24 anos, formada pela Universidade Paulista (Unip), em 2019.
Como principal mote, a obra discute a mudança de perfil social do Cambuí ao longo dos séculos, abrigando inicialmente a população marginalizada, mas depois sendo ocupado pela elite local. A jornalista também analisa o intenso processo de verticalização urbana que o bairro, localizado na região central de Campinas, vem atravessando nos últimos tempos, com a construção de inúmeros edifícios de alto padrão, deixando para trás os tempos de predomínio de casas e mansões.
“O leitor pode esperar muita história interessante e surpreendente sobre o bairro, mas também muitas dicas para quem adora visitar lugares na região”, destacou Camila Defendi, em entrevista exclusiva concedida ao Hora Campinas.
Confira abaixo a entrevista completa com a autora:
Hora Campinas: Quando e como surgiu a ideia de escrever um livro-reportagem sobre a história do Cambuí? Qual foi o motivo para a escolha do bairro como objeto de estudo?
Camila Defendi: A ideia surgiu ainda na faculdade, por meio do meu professor e coordenador de curso, Roni Muraoka, que perguntou abertamente para a turma se sabíamos que o Cambuí havia sido um bairro mais pobre, diferente do que é atualmente. Na hora fiquei pasma, pois não fazia ideia disso, além do que, na época, em 2018, eu trabalhava na região. Fiquei muito curiosa porque sou apaixonada por história em geral, então conversei com ele se esse poderia ser meu tema de Trabalho de Conclusão de Concurso (TCC). Eu tinha certeza que daria um belíssimo livro-reportagem.
Você tem alguma ligação pessoal ou afetiva com o bairro Cambuí?
Não tenho nenhuma ligação pessoal ou afetiva, mas coincidentemente na época eu estava fazendo estágio bem no “miolo” do Cambuí. A rua de cima era a Maria Monteiro e a de baixo, Emílio Ribas. Quem é de Campinas sabe que ali está o coração do bairro e eu via um contraste social bem grande. Foi isso que atraiu minha vontade imensa de entender como era o Cambuí antes da verticalização que temos atualmente.
Como se deu o processo de pesquisa e o trabalho de entrevistas? Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou para a produção do livro?
Por se tratar de um trabalho acadêmico, exigia uma boa apuração dos fatos. Primeiro, comecei a pesquisa por livros já publicados sobre a história de Campinas, tentando encontrar alguma parte que falava em específico sobre o Cambuí. Depois, precisei esmiuçar ainda mais o bairro e então li muitos trabalhos acadêmicos, mestrados, doutorados e graduações. Deixo aqui meu destaque aos pesquisadores e historiadores, nós precisamos valorizar muito o trabalho dessas pessoas que dedicam suas vidas para preservar informações valiosas. Grande parte do meu livro se baseou nisso. Confesso que tive muitas dificuldades na caminhada desse projeto. Foi um trabalho literalmente do zero. A parte da literatura foi difícil porque precisava encontrar obras que falassem da região central, mas por serem livros antigos, existe uma linguagem mais culta. Li alguns livros da década de 60 e outros mais antigos ainda. Eram todos emprestados, de biblioteca, relíquias que cuidei como se fosse um filho mesmo. As entrevistas também classifico como difíceis porque precisei encontrar pessoas que soubessem falar sobre o tema e que iriam, de fato, contribuir de maneira significativa para a obra, mas consegui entrevistar quem eu queria e cumprir todas as metas que coloquei para mim.
“É literalmente um sonho realizado. Sabe o que é sentar do lado de um historiador? Ou até de uma chefe de cozinha renomada, que dirá do dono do City Bar. Foi uma honra todo o processo”
O que mais te surpreendeu ou chamou atenção ao mergulhar na história do Cambuí?
O que mais me surpreendeu sobre a história do bairro foi o enforcamento cruel que aconteceu em uma das principais praças do Cambuí, a XV de Novembro, também conhecida como Largo Santa Cruz. Aliás, esse é o primeiro capítulo do meu livro: “Praça da crueldade”. O bairro é recheado de histórias importantes para a nossa cidade e nosso país. Não vou dar muito spoiler para deixar vocês curiosos, mas posso adiantar que D. Pedro II adorava passear pela Praça Imprensa Fluminense, ou, como conhecemos carinhosamente, Centro de Convivência.
O título do livro (“Do cortiço à elite”) expõe um contraste social entre o passado e o presente do Cambuí. A grosso modo, como você analisa essa transformação do bairro ao longo do tempo?
A transformação do bairro precisou acontecer e faz parte do processo natural da história, embora muitas vidas infelizmente sofreram bastante para chegar onde estamos hoje, desde a questão da higiene, que já era mínima para a época, até o povo mais marginalizado naquele tempo. E a história está aí para comprovar, como o enforcamento que aconteceu no Largo Santa Cruz (Praça XV de Novembro), por exemplo. Aliás, uma coisa interessante foi que, ao descobrir as histórias do bairro, cheguei ao título “Do cortiço à elite”, com o qual já podemos deduzir esse contraste social.
De acordo com o cartunista Mauricio de Souza, o Cambuí inspirou a criação do Bairro do Limoeiro, da Turma da Mônica. A paisagem dos quadrinhos mostra bastante vegetação, ruas de terra e casas, hoje cada vez mais raras. Como você analisa o intenso processo de crescimento vertical que o bairro vem passando nos últimos tempos?
Considero que houve um processo natural de verticalização, que carrega a transformação, seja ela positiva ou não. Quando um local passa a ser valorizado, e explico no livro como isso aconteceu no Cambuí, antes um bairro mais humilde, há um interesse de investimento na região, tornando-se um local interessante aos empresários. Acredito que a tendência seja as residências desaparecerem cada vez mais, pois hoje o bairro já é considerado comercial e o empresário quer estar ali no coração de Cambuí, que também é sinônimo de luxo. Busquei explorar ao máximo do que “era” e de como “está”. Maurício de Sousa mostra bem como era a região e, embora hoje tenha pouquíssimas casas e menor vegetação, o Cambuí é um dos bairros mais arborizados de Campinas.
Como funcionou o processo de editoração do livro, desde a criação de capa e a diagramação até a impressão?
O processo de editoração foi todo separado. Para a capa, contei com a ajuda do Douglas Vasquez, que fez um trabalho belíssimo e todos elogiam bastante o trabalho. Ele topou me ajudar na criação da capa, então foi uma parceria mesmo. Ele produziu a capa e, em retribuição, dei um exemplar do meu livro para o seu portfólio. Já a diagramação foi feita por uma amiga, Ana Cristina, que já trabalha na área de design e fez um preço mais acessível na época porque eu não tinha dinheiro para pagar. Já a impressão foi por minha conta mesmo. Para a primeira impressão, reuni uma quantidade de pessoas que estavam interessadas e pedi que pagassem metade do valor do livro. Dessa forma, conseguia cobrir parte do valor da gráfica e, quando ficasse pronto, eles me pagariam o restante na entrega do livro. Essa foi a forma que encontrei para esse projeto começar a dar os primeiros passos, afinal precisei adaptar todo meu orçamento e minha realidade para isso.
Em linhas gerais, o que o leitor pode esperar do livro?
O leitor pode esperar muita história interessante e surpreendente sobre o bairro, mas também muitas dicas para quem adora visitar lugares na região, sejam eles públicos ou privados. São fatos desconhecidos e que vão fazer você olhar o Cambuí de outra maneira.
Para quem quiser adquirir um exemplar, como deve proceder?
Para comprar o livro, as pessoas podem me contatar nas redes sociais, ainda estou vendendo de forma independente. Meu perfil no Facebook é Camila Defendi e no Instagram é @ca.defendi. Lá costumo combinar pagamento, envios e entregas.
O Movimento Resgate Cambuí faz um trabalho belíssimo de preservação de árvores históricas do bairro e no geral também. Por isso, o livro se torna tão importante, para que a gente nunca esqueça o que já foi o bairro Cambuí e conheça quem está por trás de manter essa história que também tenho orgulho de ajudar a preservar de alguma forma.
Qual a avaliação que você faz de sua primeira experiência como escritora, tanto em termos de conteúdo produzido quanto de recepção do público?
É uma sensação única. Costumo lembrar que, na época em que estava produzindo, sofri muito, pois não tinha experiência nenhuma, mas é uma experiência também de amadurecimento porque foi ali que conheci meu lado verdadeiramente jornalístico, do qual me orgulho tanto. E consegui tudo o que queria, pois falar de história é muito difícil. Quis criar algo que fosse acessível ao maior número de pessoas de diferentes classes sociais e idades, e deu muito certo. Diversas pessoas procuraram por mim, porque assim como eu, elas também desconheciam essas histórias. É muito gratificante ver como tem gente interessada no assunto. Dias atrás, recebi uma mensagem de uma leitora cuja filha estava lendo o meu livro. O objetivo é esse: tornar acessível para muitas pessoas. Isso é gratificante.
Você planeja escrever um novo livro-reportagem ou se aventurar em algum outro gênero?
Pretendo, sim, pois eu gosto muito de livro-reportagem. Contar histórias reais é a minha praia. Quem sabe um novo bairro ou alguma pessoa importante para a nossa cidade.