A morte ainda é um assunto tabu no nosso país e, apesar de ser a única certeza da vida, a maioria ainda evita o tema de todas as maneiras possíveis. O motivo pode ser psicológico ou até cultural. Pesquisa do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) aponta que 73% dos brasileiros não gostam de falar sobre a morte, e para 10% tocar nesse assunto pode atraí-la. Ocorre que em meio à pandemia, mais gente tem se preocupado com o tema. segundo o Colégio Notarial do Brasil, o número de testamentos registrados vem crescendo, tendo atingido 134% somente entre abril e julho de 2020.
“O brasileiro não tem o hábito de pensar na disposição de seu patrimônio no período após o falecimento, sempre predominou por aqui a sucessão legítima, ou seja, aquela já disposta pela lei para quem não deixou testamento”, destaca a advogada Stella Serafini, coordenadora do curso de Direito do Centro Universitário UniMetrocamp. “Mas com a pandemia, muitos começaram a ver o fenômeno da morte como algo próximo, o que resultou não só no maior registro de testamentos, mas, também de uniões estáveis convertidas em casamentos”, avalia a advogada.
O Quarto Cartório Ruza, de Campinas, por exemplo, informou que em 2020 foram registrados 50 testamentos. Neste ano, até o dia 6 de maio, já foram contabilizados 20, número que representa 40% de todos os registros do ano passado. Não constam registros de 2019.
O Quinto Cartório de Notas de Campinas não informou números, mas afirmou que teve grande aumento nas ligações de consulta para obter informações de como proceder para fazer um testamento e também nos agendamentos.
De acordo com Stella, embora muita gente pense que testamento é algo que se aplica apenas aos detentores de grandes fortunas, qualquer pessoa maior de 18 anos e com pleno discernimento no momento da elaboração do documento pode determinar a disposição de seus bens. “O mais comum é o testamento por instrumento público, cujo interessado procura um cartório e registra sua vontade por meio de uma escritura pública, lavrada pelo Tabelião, na presença de testemunhas”, aponta. “Mas existem outros tipos, como o testamento cerrado, também feito em cartório, mas onde ninguém tem conhecimento do teor até o falecimento do testador, e o particular, escrito pela pessoa e lido perante três testemunhas”, enumera a especialista. “Em todos os casos, é recomendável a orientação de um advogado”, complementa.
O custo para fazer um testamento é de cerca de R$ 2 mil, mas outras taxas podem ser cobradas, como no caso de o Tabelião de Notas ter de ir até o interessado. Outro ponto interessante é que o testamento pode ser alterado.
“O documento posterior vale sobre o anterior, de modo que existindo vários testamentos sucessivos, vale o último, a não ser que ele se destine apenas para completar o anterior, hipótese em que ambos serão considerados”, explica Stella.
Herdeiros
De acordo com a lei, metade do patrimônio da pessoa é obrigatoriamente destinada a seus herdeiros necessários, nessa ordem: descendentes (filhos), ascendentes (pais) e cônjuge. O advogado Marco Antonio Perez explica que a vantagem de deixar um testamento é que a pessoa pode testar (dispor de) até metade de seus bens da maneira que quiser.
“Vamos supor que o homem é casado, tem um filho, e vai deixar R$ 100 mil. Metade já é da esposa automaticamente. Dos R$ 50 mil que sobram e que é dele, ele pode fazer o que quiser apenas com metade, os outros R$ 25 mil são do filho, ele não pode deserdar. Com o testamento, esses R$ 25 mil dele ele pode deixar para um amigo, para a caridade, ou pode deixar para a esposa por exemplo. Nesse caso, ela ficaria com R$ 75 mil e o filho com R$ 25 mil”, explica.
“Outra situação de exemplo, um homem é solteiro, mas tem um filho. Se não deixar testamento, tudo fica para o filho. Mas se fizer testamento tem o direito de deixar metade para quem quiser”, afirma Perez.
No testamento também podem ser colocadas outras questões além das patrimoniais, como nomeação de tutor para filhos menores, reconhecimento de filho, recomendações sobre o funeral e outros.
“Há ainda uma modalidade de testamento que se chama testamento vital ou biológico, em que o testador manifesta o desejo de, encontrando-se doente, se submeter a determinado tratamento ou, também, que não seja submetido a nenhum procedimento que evite a sua morte. Mas é importante esclarecer que essas orientações não incluem a possibilidade de eutanásia, que é considerada crime no Brasil”, esclarece Stella.
Sabemos que muitas pessoas tratam os animais de estimação como membros da família, mas eles não podem ser herdeiros. “Embora tenhamos visto algumas notícias assim em outros países, no Brasil só pessoas naturais e jurídicas podem ser nomeadas herdeiras, sendo impossível a nomeação de animais. O que pode ser feito é nomear uma pessoa como herdeira testamentária, com o encargo de que ela só receberá a herança se cuidar de determinado animal de estimação, por exemplo”, relata a especialista da UniMetrocamp.
Por fim, ela ressalta que para pequenas disposições de vontade como o enterro, valores de pouca importância, roupas, móveis, joias de pouco valor ou outros objetos pessoais, não é necessário fazer um testamento.
“É possível deixar um escrito particular, chamado codicilo, com a disposição desejada, datar e assinar, que terá validade”, conclui a advogada.