O financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), com recursos de origem federal, há tempos está vinculado a uma Programação Pactuada Integrada-PPI de 1997 e inúmeras portarias posteriores de habilitação. A PPI estabelece os procedimentos a serem executados pelos entes federados e está diretamente relacionada a tabela SIGTAP (antiga e derivada do antigo e extinto Inamps), que em muitos procedimentos encontra-se extremamente defasada, podendo esta defasagem chegar a mais de 15 anos. Em contrapartida, as habilitações permitem aos entes federados um aumento em seu repasse federal, em geral muito aquém do custo real e atualizado das ações a serem desencadeadas.
Considerando a responsabilidade tripartite (Governos Federal, Estadual e Municipal), os municípios vêm aumentando progressivamente o investimento em saúde e comprometendo percentuais cada vez mais elevados de seu orçamento para assegurar saúde a sua população. Raros são os municípios que não empenhem mais de 25% de seus orçamentos em saúde. Como é de conhecimento de todos, o compromisso constitucional que vinculou estes % aos entes federados é de 15% para os municípios (no caso de Campinas, 17%), 12% para os Estados e nunca foi fixado este % para o Governo Federal.
Quanto mais o tempo passa, mais difícil ficará esta vinculação. Neste contexto, em 2013, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 3410 que estabeleceu as diretrizes para a contratualização de hospitais no âmbito do SUS em consonância com a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP).
“A contratualização tem como finalidade a formalização da relação entre gestores públicos de saúde e hospitais integrantes do SUS por meio do estabelecimento de compromissos entre as partes que promovam a qualificação da assistência e da gestão hospitalar de acordo com as diretrizes estabelecidas na PNHOSP”.
O processo da contratualização proporciona o acompanhamento da execução das ações e procedimentos sem deixar apartado o monitoramento de indicadores de qualidade, de forma transparente. Os indicadores de qualidade quando pactuados entre as áreas técnicas da Secretaria de Saúde e os serviços de saúde, podem aparar arestas identificadas e promover o aprimoramento continuado da assistência prestada.
Em especial, a regulação de acesso às ações e serviços de saúde tem papel preponderante nesse processo. A cada celebração de uma nova parceria, aditamento ou prorrogação do ajuste jurídico, as potencialidades, fragilidades e demandas identificadas alimentam e retroalimentam a construção do novo plano de trabalho. E este torna-se o referencial para o acompanhamento do ajuste.
Não é infrequente na literatura, encontrarmos relatos de dificuldades de instâncias reguladoras do sistema, em garantir o acesso dos usuários ao local adequado e em tempo oportuno por dificuldades nas relações com os prestadores de serviços. O acesso muitas vezes fica vinculado a relações interpessoais prévias, ou seja, “pessoa dependente”, ou em outras circunstâncias à revelia dos serviços, como nas temidas e indesejadas “vagas-zero”.
A contratualização na saúde proporciona pactuações objetivas e maior governabilidade aos profissionais reguladores na interface com os serviços de saúde. Da mesma forma os recursos financeiros vinculados ao ajuste, podem ser estrategicamente alocados, proporcionando um incentivo aos serviços parceiros a atingirem as metas propostas.
Que o Sistema Único de Saúde é deficitário, é um consenso. Justamente por isso, a gestão adequada do recurso vinculado pode potencializar as ações e assegurar a qualificação da assistência prestada. Neste sentido, a contratualização em saúde, quando adequadamente utilizada, tem se mostrado uma ferramenta bastante adequada.
Os gestores do SUS devem entender que devemos contratualizar tudo o que pudermos. Infelizmente, o SUS trouxe para o seu financiamento e gestão, práticas obsoletas e incorrigíveis do extinto Inamps. O mecanismo aqui apresentado é a chave para o aperfeiçoamento das relações de prestações de serviços oferecidos e praticados junto ao SUS. Não há outra forma de avançarmos; gestores e prestadores de assistência à saúde.
O fundamental é contratualizar para sabermos o que faremos, como faremos, quanto custará ao SUS. Profissionalizar a gestão do SUS com redução de perdas e maior eficiência do sistema será decisivo ao futuro da saúde pública.
Prof. Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020
Dra. Érika Guimarães é enfermeira, diretora do Departamento de Gestão e Desenvolvimento Organizacional (DGDO) da secretaria municipal de Saúde de Campinas, doutoranda em Clínica Médica da FCM Unicamp e docente da Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas