Sinônimo de modernidade em um passado distante e palco de momentos históricos do futebol campineiro, como o primeiro Dérbi noturno entre Guarani e Ponte Preta, disputado há quase 80 anos, o estádio Doutor Horácio Antônio da Costa, popularmente conhecido como Campo do Mogiana, vem sofrendo há tempos com o ostracismo e está prestes a viver um decisivo capítulo de sua história, pois será leiloado nesta próxima semana.
O Cerecamp, como o complexo esportivo passou a ser chamado nos anos 70, depois que o Governo do Estado de São Paulo tomou posse, não recebe uma partida com presença de público nas arquibancadas há quase 15 anos e está completamente inativo, sem a realização de nenhuma atividade esportiva, desde janeiro de 2023. Diante da incapacidade do poder público em revitalizá-lo e reativá-lo, o local deverá ser transferido para as mãos da iniciativa privada e seu futuro é incerto.
O leilão do Cerecamp será virtual e acontecerá nesta próxima terça-feira (8), a partir das 9h.
O leilão virtual ocorrerá por meio deste link: https://leilao.sodresantoro.com.br/leilao/26122/lote/2543454/?ref=v2. O lance inicial é de R$ 28,6 milhões para adquirir o espaço, localizado no bairro Jardim Guanabara, com uma área total de 26.517,50 m², sendo 7.429,00 m² de construção.
“Estamos tristes, mas confiantes de que quem assumir irá reformar e dar um novo sentido em prol do esporte e da memória do espaço. Essa sempre foi minha luta desde 2015 quando fui designada diretora do Cerecamp. Seremos fiscais de todo esse processo e vamos juntos cuidar da memória do nosso querido Cerecamp”, disse a atual diretora do Cerecamp, Leonice Fávero, em contato com a reportagem do Hora Campinas.
Desde que Leonice assumiu a administração do Cerecamp, em 2015, algumas reformas chegaram a acontecer no entorno e na parte interna do complexo esportivo, como a melhoria da pista de atletismo e da quadra anexa, mas as arquibancadas continuam interditadas, necessitando de reformas e adequações para voltar a receber torcedores.
Na contramão do sentimento de esperança da atual diretora do Cerecamp, alguns entusiastas do Mogiana demonstram pessimismo sobre o futuro do estádio nas mãos de quem arrematá-lo. A maior preocupação é de que toda a estrutura seja demolida e dê lugar a um novo empreendimento, embora algumas áreas do complexo esportivo sejam tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc).
Qualquer projeto de intervenção terá que passar por autorização desses dois órgãos públicos responsáveis pela preservação de patrimônios históricos.
“Estou apreensivo, pois dificilmente quem adquirir o complexo irá gastar uma fortuna para uma ampla reforma a fim de preservar a história. Sabemos que a demolição de várias estruturas comprometidas se faz necessária, mas o campo de futebol e as arquibancadas deveriam ser mantidos, assim como a quadra de basquete, o busto de Horácio Antônio da Costa, a placa de Thomaz Mazzoni nas tribunas, o mármore do bar com o escudo do Mogiana e as torres de iluminação”, clama o historiador, pesquisador e escritor Celso Franco de Oliveira, autor do livro “Fora dos Trilhos: A História do EC Mogiana”, lançado em 2008 – uma nova edição atualizada está sendo preparada por ele, com previsão de lançamento ainda neste ano.
“Os mandatários na Prefeitura de Campinas parecem não estar nem um pouco preocupados e a Liga Campineira de Futebol não tem força política para tentar alguma coisa. Se o Red Bull ainda estivesse em Campinas, talvez tivéssemos alguma esperança. Seria preciso ter vários apaixonados pelo clube para abraçarem o estádio como forma de protesto”, sugere Celso Franco.
“Espero que não seja um grupo que queira construir um hipermercado no local ou um vasto estacionamento, como aconteceu em partes com o Mogiana de Ribeirão Preto”, lembra Celso, em relação ao xará do antigo clube campineiro.
“Minha expectativa é a pior possível. Tínhamos a esperança de ver o estádio reativado, afinal o governo estadual tem uma dívida moral com a cidade, pois detém sua posse desde o final dos anos 60 e negligenciou desde então sua manutenção. Recuperado, ele poderia passar a ser um estádio municipal onde seriam concluídas as grandes competições amadoras da cidade, de vários esportes, e até sediar as partidas das categorias de base de Guarani e Ponte Preta, mas esse leilão abre caminho para algo bem diferente”, aponta o historiador e pesquisador Fernando Pereira da Silva.
“Anos atrás, havia um grande grupo corporativo interessado em comprar a área, mas o tombamento atrapalhou os planos. Agora, a área pode ser comprada barata e, apresentando laudos pedindo a demolição do estádio por alegada falta de segurança, o tombamento poderá ser revertido. Quem irá contestar esses laudos?”, questiona Fernando.
Mais sobre o estádio
O octogenário estádio Horácio Antônio da Costa foi inaugurado no dia 14 de julho de 1940, batizado em homenagem ao inspetor-geral da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, figura fundamental para a viabilização da construção do estádio, que se tornou a casa do antigo Esporte Clube Mogiana, fundado em 1933 e extinto nos anos 70, com o fim da ferrovia.
Com tribuna de honra e cabine de imprensa, além de placar elétrico luminoso, algo inédito no Brasil na época, o estádio do Mogiana surgiu como um dos estádios mais modernos do País, ao lado do Pacaembu, em São Paulo, que havia sido inaugurado três meses antes, em abril de 1940, além de São Januário, no Rio de Janeiro, este mais antigo, de 1927.
Ao todo, entre 1941 e 1950, o estádio do Mogiana serviu de palco para 10 Dérbis entre Guarani e Ponte Preta, inclusive o primeiro clássico noturno entre os rivais campineiros, em 1948, que terminou com goleada bugrina por 5 a 2.
As torres de iluminação haviam sido inauguradas em 1946, num amistoso entre Mogiana e Corinthians, o primeiro jogo noturno da história do futebol campineiro, com vitória do Timão por 3 a 1. Na época, os estádios Moisés Lucarelli e Brinco de Ouro da Princesa ainda não tinham sido inaugurados.
Ao longo da década de 1940, o estádio do Mogiana recebeu todos os quatro grandes clubes do futebol paulista (Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos), bem como importantes times de outros estados e vários craques, como o atacante Leônidas da Silva, artilheiro e melhor jogador da Copa do Mundo de 1938, na França.
Depois da extinção do Esporte Clube Mogiana, no início dos anos 70, em função da crise da ferrovia, que também deixou de existir na mesma época, o Cerecamp chegou a receber partidas do Esporte Clube Gazeta, na década de 80, e do Campinas Futebol Clube, nos anos 2000.
Entre 2009 e 2011, o estádio também sediou três edições da Copa São Paulo de Futebol Júnior, a competição mais tradicional de categorias de base do futebol brasileiro.
O dia em que o estádio do Mogiana recebeu Leônidas da Silva, o ‘Diamante Negro’