O que você busca quando faz uma viagem? Roteiros conhecidos, pontos turísticos ou vai atrás de lugares e pessoas que geralmente não constam nos tradicionais guias turísticos? Esta segunda alternativa define o olhar apurado da viajante Juliana Venturelli, que é pesquisadora, gastrônoma, pedagoga e doutoranda e mestra em memória social. Nos locais por onde passa ela sempre busca miudezas, sutilezas e a conexão com a essência das cidades.
“Sempre fui o tipo de viajante que não se encaixa no turismo tradicional. Enquanto as pessoas fazem filas para entrar nos museus, eu tendo a ir conversar com a senhora que está na janela ou a pessoa que está vendendo pipoca na frente da praça. Eu gosto de vivenciar as coisas cotidianas de uma cidade. Os comércios antigos também chamam a minha atenção como as sapatarias, alfaiatarias, vendas, mercearias e outras atividades quase que engolidas e invisibilizadas pela modernidade”, conta Juliana.
Esse olhar apurado, a possibilidade de trabalhar on-line e o convite do marido Luiz Bernal para experimentar vivenciar por um ano uma vida nômade fez nascer o projeto Veredas & Ofícios. Então, durante o ano de 2021 o casal tem colocado o pé na estrada para mostrar quem são as pessoas e locais que fazem parte desse Brasil que geralmente não é tão visto e percebido.
Os textos e fotos que ela produz no trajeto estão nas redes sociais e contam com a curadoria do jornalista Mateus Habib. Apesar de não ter patrocínio, a ideia do projeto é conseguir compor um Guia de Ofícios do Brasil, apresentando essas profissões e os modos de ser peculiares de cada região.
Uma pausa necessária
A ideia inicial era partir de Minas Gerais e seguir pelo centro do país, Goiás, Mato Grosso, subir até o Pará e depois ir descendo pelo Nordeste até o Rio Grande do Sul durante todo o ano de 2021. “Mas o cenário da pandemia nos fez estacionar no sul de Minas, onde estamos desde 13 de janeiro. Era para ser apenas uma passagem de 20 dias por Minas, mas ainda não nos sentimos seguros em seguir para outras veredas”, conta.
Grandes encontros
Nesse tempo de estrada o casal já cruzou com os mais diferentes ofícios e tem se encantando com as mais diferentes histórias que anda descobrindo pelo caminho. Dentre elas está a de Maria Lazarina, que aos 84 anos já vendeu bala de coco para sustentar a família e passou seu conhecimento para duas gerações; a da benzedeira Maria Rosa que aprendeu com o pai e os tios a benzer e hoje é muito procurada para o benzimento de bebês; a de Magno, um ambulante que compra galinhas e ovos para revender ganhando quase nada e que, por usar batom e pintar as unhas, chegou a ficar internado num manicômio, mas foi resgatado pela comunidade que mora; a de Pedro que aos 7 anos já ensina com maestria as etapas da tecelagem e, além disso, toca as vacas e ajuda o avô a tirar leite delas; também a de Ruth, uma artesã especializada em trabalhar com a palha de milho; a de Maria Celeste que faz esculturas com argila e artesanato das pinhas de araucárias, a de Benedito, barbeiro desde 1957; e a história do casal Maria Teresa e José, pipoqueiros na praça que aprenderam o ofício com a mãe dela.
Juliana conta que uma das coisas interessantes que tem percebido nesse percurso é a possibilidade de observar as novas gerações sendo expostas ao mundo dos mais velhos.
“Pelo menos nos pequenos centros urbanos e áreas rurais, esse convívio diário entre os mais velhos e os mais novos tem sido reavivado”, conta.
E, para ela, um dos mais profundos aprendizados nessas escutas é ver o quanto as pessoas mais velhas são a salvaguarda das memórias peculiares de um tempo e modo de ser quando os diálogos eram mais valorizados, no sentido de falar e ouvir com atenção plena. “Vejo que as tradições se seguem porque a atenção que se oferece no ato de fazer algo repetidas vezes e ter a escuta e abertura necessárias são fundamentais para que algo seja aprendido e apreendido”, lembra.
E vale destacar que a viagem está só começando. Quem quiser acompanhar as andanças desse casal pelo Brasil adentro é só seguir o Instagram @veredaseoficios.
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Kátia Camargo é jornalista e escreveu este texto ouvindo a canção Vilarejo, de Marisa Monte, e ficou imaginando os encontros profundos contidos nos locais, nos caminhos e destinos por onde o Veredas & Ofícios tem passado.