No último mês de março, o Conselho de secretários municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMS-SP) realizou seu congresso anual. O tema escolhido foi “O Brasil precisa do SUS”. Assim, nada mais oportuno do que destacar publicamente o maior sistema público e universal de saúde do mundo, o nosso SUS. Duas ações de políticas públicas foram fundamentais ao Brasil de hoje: o SUS e o Plano Real. Por conta deles, temos um sistema de saúde acessível e universal e uma moeda estável. Embora a economia seja fundamental para a gestão de saúde, vou me ater ao universo médico. Fui diretor do COSEMS-SP por seis anos, sendo que por dois anos (2017-2019) ocupei a presidência da entidade. De maneira simultânea, fui diretor do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Durante este período, consolidei o meu entendimento sobre a importância do SUS no cotidiano da sociedade brasileira e seu ineditismo em termos mundiais. Criei a consciência do papel nuclear dos municípios na gestão e na operacionalização do SUS.
O SUS é certamente uma conquista fundamental do povo brasileiro.
O sistema foi inserido na Constituição Federal de 1988, depois na Constituição Estadual e em nossa Lei Orgânica Municipal. O SUS, entretanto, começou a ser “gestado” vários anos antes da promulgação da Constituição, por grandes colegas que o idealizaram e que empreenderam esforço político hercúleo para sua concretização. Ainda na década de 80, com o declínio e a esperada extinção do INAMPS, inúmeros movimentos preliminares foram feitos preparando o ambiente político e institucional para a implementação, à época, do novo sistema. Os programas denominados “pró-assistência I e II” e o “SUDS” (sistema unificado e descentralizado de saúde) foram precursores do SUS e criaram suas bases e estrutura.
Finalmente, o SUS foi regulamentado através da lei 8.080 de 1990. Como secretário estadual de Saúde de São Paulo nos anos 93 e 94, pude acompanhar e promover inúmeras ações de organização e pactuação do sistema, tanto em nosso Estado, como no País.
Acompanhei as instalações do Conselho Nacional e dos conselhos estaduais e municipais de saúde, que foram e são espaços de participação social nas ações do sistema. Instituímos a comissão intergestora bipartite (estado e municípios) para discutir, planejar e pactuar os projetos e recursos a serem distribuídos e aplicados pelos gestores de saúde em todo o Estado de São Paulo. Assumi, em 1993, a vice-presidência do CONASS (conselho de secretários estaduais de saúde) para que os estados pudessem ter uma agenda de consenso no desenvolvimento daquele inovador sistema.
Passados mais de 30 anos de instalação do SUS, vemos com grande satisfação a sua crescente maturidade institucional e política.
Atualmente, portanto, na constância da maior crise sanitária de nossa história, somada a todos os movimentos disfuncionais do atual governo federal e de seu Ministério da Saúde, o SUS se sobressai como fundamental, evitando uma tragédia ainda maior a que estamos vivenciando. O SUS ganhou o respeito da população, da imprensa, dos órgãos de regulação, dos poderes instituídos, enfim, de toda a sociedade.
Através de suas ações na atenção primária, milhares de profissionais de saúde atuam nas linhas de frente no combate à Covid-19, tanto nas unidades básicas de saúde, como nas residências dos pacientes. São médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde dentre muitos outros profissionais, que trabalham de maneira incessante e competente no controle da pandemia. Talvez a parte mais visível deste enfrentamento é o atendimento em nível hospitalar. Também aqui, centenas de milhares de profissionais de saúde se dedicam constantemente em favor de nossos concidadãos enfermos, tanto pela Covid-19, como com outras doenças e agravos que não param de surgir.
O SUS é o palco em que travamos as mais difíceis batalhas desta guerra, que está longe do final.
Mas não é só palco de batalhas, ele desenvolve e sustenta inúmeros programas especializados, fundamentais à proteção e cuidado de nossa sociedade. Sob sua responsabilidade, o SUS traz toda a organização da saúde pública e privada. Sim, também da saúde privada. É ele quem congrega todas as estruturas de saúde do País. É um sistema único. No seu interior, formamos novas gerações de profissionais com espírito público, ética e profissionalismo. Em seu horizonte, as universidades promovem ensino em todos os níveis e pesquisas voltadas ao desenvolvimento da melhor assistência e inovação em saúde.
Não podemos, sob qualquer pretexto ou argumento, colocar o SUS em risco.
É dever do Estado, em todas suas instâncias, prover todos os recursos necessários ao SUS, sejam humanos, tecnológicos e materiais. Definitivamente, “o Brasil precisa do SUS”.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020