João Francisco Correa, 73 anos, e a esposa, Rosangela Cristina Furlanetti, 59 anos, compartilham uma paixão que atravessa décadas: o conserto de máquinas de escrever e calculadoras. Desde 1966, ele se dedica a esse ofício — curiosamente, o mesmo ano em que sua esposa nasceu. Quase seis décadas depois, João continua firme na profissão, mesmo diante da revolução digital provocada por computadores, celulares e inteligência artificial.
“Cheguei a pensar que minha profissão estava com os dias contados. Até trabalhei um período com conserto de computadores, mas o que eu gosto mesmo é de dar nova vida às máquinas de datilografia”, conta João. A relação dele com as máquinas começou cedo, ainda menino, quando trabalhava lavando equipamentos mecânicos. Naquela época, os modelos eletrônicos ainda não existiam. “Também fiz curso de mimeógrafo, que era muito usado nas escolas. Mas depois acabei me especializando nas máquinas de escrever.”
Segundo ele, cada máquina que chega à oficina traz consigo mais do que engrenagens e teclas: traz histórias. “Recebemos máquinas desde a década de 1930 — são verdadeiras relíquias. Algumas acompanharam famílias por gerações. Trabalhar com isso exige paciência. Dá trabalho, sim, mas também é muito gratificante ver uma dessas máquinas funcionando de novo.”

As máquinas de escrever, com seu som inconfundível, marcaram profundamente a história da escrita e da comunicação. No Brasil, destacaram-se modelos como a sueca Facit, a italiana Olivetti, e as americanas Remington e IBM. “Muitas dessas máquinas simbolizam a evolução profissional de alguém, um negócio que cresceu ou histórias que foram registradas. Imagina quantas histórias uma máquina dessas ajudou a contar?”, reflete João.
Rosangela também participa do trabalho atendendo os clientes e compartilha uma observação: “Muitas avós trazem suas máquinas antigas para conserto e depois ensinam os netos a usá-las. Eles ficam encantados, porque é outro ritmo, outro tempo — especialmente num mundo tão corrido como o de hoje. Durante a pandemia isso aconteceu bastante.”
Na oficina do casal, chegam máquinas de advogados, contadores, jornalistas — todos profissionais que iniciaram suas trajetórias ou herdaram essas companheiras de teclas. Mesmo com o avanço da tecnologia, muitos preferem preservar esses objetos repletos de significado.
João já encontrou de tudo dentro das máquinas: santinhos, dinheiro, clipes e outros pequenos tesouros esquecidos. Mais do que objetos, são vestígios de vidas vividas.

Conheci João e Rosangela quando enviei minha própria máquina de escrever para conserto. Queria dar um novo propósito a ela. Agora ela está fazendo parte das minhas oficinas de escrita com jovens da Fundação Educar, onde passeamos pela história do jornalismo e da escrita. A máquina virou quase uma mascote da turma. Eles se encantam ao ver e ouvir as teclas pela primeira vez, muitos dizem: “Já vi isso em filmes!”

Recentemente, a Rede Globo exibiu um especial sobre a jornalista Glória Maria. Em meio às homenagens, apareceram fotos dela com uma máquina de escrever. Em um gesto simbólico, a máquina foi restaurada e entregue às filhas da jornalista.
Para quem quiser dar vida nova para uma máquina de escrever é só procurar a Assistemaq, o telefone é o 19-3243-0221.
Kátia Camargo é jornalista e tem muita vontade de seguir escutando e contando histórias. Foi pesquisando sobre esse universo que descobriu que, em 2012, a Filarmônica de Minas Gerais executou uma peça curiosa: A máquina de escrever, do compositor norte-americano Leroy Anderson. O solo foi interpretado por Rafael Alberto, chefe do naipe de percussão da orquestra. Um exemplo precioso de como até na música as máquinas de encontraram espaço.
Para assistir: