Certamente, após vencermos total ou parcialmente a epidemia do novo coronavírus, muitos “rebotes” dentro da saúde pública deverão ocorrer. Os desafios para o rastreamento, o diagnóstico precoce e o cuidado do paciente com câncer serão imensos. Atualmente, o câncer é o problema de saúde mais relevante e temido em todo o mundo, inclusive em países desenvolvidos. Grandes progressos estão sendo feitos continuadamente, porém ainda há muito a ser feito. Infelizmente, nem todos os pacientes podem se beneficiar dos melhores meios de diagnóstico e de tratamento. Isto reduz profunda e gravemente as taxas de sucesso tanto em termos de cura como na longevidade e melhoria da qualidade de vida.
Do ponto de vista das características de nossa população e da epidemiologia do câncer, devemos ressaltar o crescente envelhecimento e o aumento progressivo das doenças crônicas e degenerativas. Consequentemente, temos mais pessoas doentes e com necessidades de cuidados de saúde. Sabemos que a saúde está em primeiro lugar em nossos desejos. Sabemos que a saúde é o nosso maior bem individual.
Temos o SUS, sistema universal e gratuito, que deve garantir e disseminar os direitos de nossa sociedade à saúde com equidade e qualidade. Em relação à oncologia devemos garantir acesso e qualidade de acesso a todos.
A Sociedade Americana de Oncologia também está preocupada com esta garantia de acesso e vem desenvolvendo a proposta de Equity: Every Patient, Every Day, Everywhere (Equidade para todos os pacientes, todos os dias e em todos os lugares). Nos próximos 10 anos, mais de 80% dos conhecimentos na área do câncer estarão alocados em novos métodos diagnósticos, novas terapias cada vez mais personalizadas e de menor potencial tóxico e, sobretudo, em métodos de prevenção. A utilização das pesquisas em genética humana ampliará os exames de medicina molecular e de sistemas aplicados aos pacientes em sua singularidade. Devemos buscar maior bem-estar, exigir melhoria na qualidade dos serviços especializados, investimentos em saúde e para a saúde (não apenas em sua manutenção) e lembrar que, mesmo não sendo este nosso principal objetivo, a saúde é um “motor da economia” com serviços, empregos, indústria a ela vinculada etc.
Tenho refletido muito de como poderíamos abordar e melhorar todas as ações de saúde vinculadas ao câncer. Em minha opinião e dentro do cenário da saúde pública nacional e as necessidades e demandas crescentes da oncologia, da onco-hematologia e da hematologia/oncologia pediátrica, teríamos três “pilares” fundamentais a serem desenvolvidos no Brasil: 1- Instalação de Centros Integrados Avançados de referência, dedicados exclusivamente ao estudo e ao tratamento de tumores, distribuídos através do território nacional de modo a garantir acesso e qualidade de acesso aos pacientes e à população; 2- Instalação imediata, reconhecida e mantida principalmente pelo Ministério da Saúde, das redes de Oncologia para que haja assistência oncológica hierarquizada e racionalizada dentro do território onde viva a população alvo e os pacientes e 3- A imediata criação de um programa nacional que pense o problema do câncer de modo prioritário e especifico.
Quando analisamos o SUS, podemos concluir até com certa facilidade, que tudo o que deu certo e mantém a sua perenidade de sucesso são os programas monotemáticos. Apenas para exemplificar, cito alguns programas tais como o de HIV/AIDS, transplantes de todos os tipos, vacinas (PNI), sangue e hemoderivados (que ajudei a construir e implantar em nosso Estado através da Hemo-rede), dentre outros.
Para enfrentar os desafios de hoje, e os de amanhã na área do câncer, de forma sustentável, econômica e ecológica, os melhores resultados são obtidos com: 1- abordagem integrada, multiespecializada e multidisciplinar com o uso de todas as modalidades de tratamento (cirurgia, quimioterapia, radioterapia avançada, terapias médicas e biológicas, etc.); 2- especialistas em pesquisas, educação e assistência dedicados à oncologia e que colaborem sinergicamente. Importante enfatizar o multiprofissionalismo envolvido nesta ação; 3- atividade baseada em processos e cuidados integrados à cura, capaz de atualizar continuadamente e aplicar rapidamente novas abordagens resultados de pesquisas básicas e aplicadas; e 4- formação contínua, atualização e informação em todos os níveis aos profissionais e à população.
Tudo isto pode parecer complexo, mas é absolutamente necessário e factível. Devemos pensar no futuro que está aí. Devemos pensar que um país que deseja ser avançado necessita também de projetos avançados. A oncologia precisa sair do “lugar comum” e buscar o lugar e a excelência que merece e a sociedade, bem como os pacientes, as orientações e a assistência adequada e moderna.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020