Existe um tipo de humor brasileiro que se utiliza do escracho e abusa da escatologia – talvez porque esteja associado à carnavalização, expressão que sintetiza várias manifestações, também brasileiras, e muito próxima do deboche. Fábio Porchat até se vale de alguns princípios desse humor, mas nunca atravessa a fronteira. Nisso reside um do méritos dele.
Não se trata de contrapor o riso considerado de bom ou de mau gosto. O fato é que o comediante, roteirista, ator e apresentador de TV passa longe das grosserias que caracterizam o tal humor escrachado, como se observa em “O Palestrante” (Brasil, 2022, comédia, 1h42), dirigido por Marcelo Antunez.
Escrito pelo próprio Fabio (com Cláudia Jouvin), o roteiro se estrutura com base nos componentes da comédia-romântica, mas está interessado, mesmo, em fazer rir – o romance entra como complemento, algo bastante comum ao cinema desse gênero no Brasil.
O bom é que o comediante, que desde os primeiros filmes se revelou ótimo ator, também se mostra competente (ao lado da parceira de escrita) quando escreve (e obedece as leis do gênero).
Isso significa dizer que há qualidade no que se vê em termos técnicos (roteiro, direção, interpretações, ritmo, tempo da comédia, edição, etc). As ações dos personagens servem para que Fabio busque o tom da graça. Claro, algumas são bem precisas, outras nem tanto, mas, no geral, diverte. E o faz com sutileza (algumas vezes) e sem delicadeza (outras vezes), mas como o comediante é um sujeito bem informado e inteligente o resultado é compensador.
Por exemplo, quando ele, no papel de Marcelo, um palestrante motivacional, pede que se fale a música preferida num encontro de funcionários de empresa, Sandoval (Otávio Muller) escolhe a obra completa de Dominó.
Ou quando, brincando com uma bola invisível, George (Paulo Vieira), antes, desconfiado da qualidade do palestrante, leva a brincadeira tão a sério que entra numa piração engraçadíssinha.
Some-se a atuação de Dani Calabresa (Denise), a outra ponta do romance no filme, reafirmando-se, igual ao seu par, uma comediante de talento e atriz de qualidade.
O ponto de partida não é nenhum achado – parece um fio de história que corre o risco de não funcionar. Mas funciona. Fabio é Guilherme, contador que recebe a péssima notícia de demisão da empresa onde trabalha e, quando chega em casa, assiste à mulher arrumar as malas porque se apaixonou “por outra pessoa”.
Guilherme encontra saída para seu drama em fato trágico. O chefe que o demitiu tem enfarto no dia seguinte e morre e ele se apossa da agenda do morto na qual consta viagem de negócios para o Rio de Janeiro.
No aeroporto, ainda deprimido e abalado pelos acontecimentos, toma decisão inusitada: em vez de se acompanhar a pessoa que o espera, ele se passa por outro personagem, o tal Marcelo, palestrante motivavional e vai parar no tal encontro de funcionários. Como se imagina, todos os quiprocós nascerão desse imbróglio.
Quando se tem bons elementos reunidos em um filme, o resultado só pode ser positivo. Mas, veja bem, “O Palestrante” não é nenhuma obra-prima e nem se pretende ser – tampouco entra no repertório de filmes da nossa vida –, mas cumpre o papel dele, qual seja, o de para divertir o espectador.
Só isso? Alguém poderá perguntar. Só e está bom demais para os dias sombrios que correm, nos quais vivemos ressaca de uma pandemia desalentadora e mergulhados num país desgovernado cuja única mobilização se resume a embate político embolorado, já visto e testado e com resultados nada animadores.
Quer dizer, diante de um cenário que estressa e não parece acenar para futuro promissor, o melhor remédio, talvez, seja rir.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
O filme está em cartaz nos cinemas. Em Campinas pode ser visto no Cinépolis Galleria e Campinas Shopping, Cinemark Iguatemi, Kinoplex do Shopping D.Pedro e Shopping Unimart