Palco do Dérbi 201 entre Ponte Preta e Guarani, histórico duelo que receberá pela 66ª vez na noite da próxima sexta-feira (17), às 21h30, o estádio Moisés Lucarelli, conhecido carinhosamente como Majestoso, completa 73 anos de inauguração neste domingo (12), na abertura da semana do clássico campineiro do segundo turno da Série B.
Embora esteja há mais de 500 dias sem poder frequentar as arquibancadas, em razão das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, a apaixonada torcida pontepretana celebra a importante data em meio a um momento bastante especial da relação do time com o estádio, a começar pela expressiva marca de cinco vitórias consecutivas como mandante, que pode aumentar em caso de vitória no Dérbi.
Curiosamente, o destaque da equipe é o atacante Moisés, xará do personagem histórico que dá nome ao estádio. Antigo sócio do clube, Moisés Lucarelli foi o idealizador do projeto da construção do local e responsável por comprar o terreno.
Apenas duas semanas após a derrota por 3 a 0 para o XV de Piracicaba, no jogo inaugural do estádio, o Majestoso recebeu o primeiro Dérbi, no dia 26 de setembro de 1948, mas a partida terminou de forma desagradável para a Ponte Preta, com vitória bugrina por 1 a 0.
Mais do que isso, a Ponte Preta não perde para o Guarani dentro de sua fortaleza há mais de uma década. A última derrota aconteceu em 2009. Ao longo de sua existência septuagenária, o Moisés Lucarelli registrou apenas um período mais longo do que o tabu atual de 12 anos de invencibilidade alvinegra no Dérbi Campineiro. Entre 1960 e 1973, a Ponte Preta ficou oito clássicos sem perder como mandante para o seu maior rival, com cinco vitórias e três empates. Já a sequência vigente, que começou em 2011, totaliza sete encontros, com cinco triunfos e dois empates.
Construção do estádio e história de paixão familiar
Inaugurado no dia 12 de setembro de 1948, o estádio Moisés Lucarelli foi construído pelas mãos dos próprios torcedores da Ponte Preta. “O meu avô italiano Pascoal Piva e meu pai Luiz Piva trabalharam na construção do estádio e se orgulhavam muito disso. Eles tinham fotos onde apareciam ao lado de um caminhão cheio de tijolos na Rua Barão de Jaguara, bem em frente ao Eden Bar”, relata o jornalista e radialista pontepretano Luiz Antonio Piva, de 69 anos.
“Na década de 60, quando eu era criança, a Ponte estava na Segunda Divisão e meu pai me levava ao Moisés Lucarelli. Os jogos eram contra Francana, Linense e Paulista de Jundiaí, que era o adversário mais forte. Meu pai nunca me forçou a torcer, mas virei pontepretano ao ver a emoção dele”, relembra Piva, que é vizinho do Majestoso. Ele mora no décimo andar de um prédio na Rua Padre Antônio Joaquim, na região do Bosque, a poucos metros do Moisés Lucarelli, com visão aérea privilegiada do estádio.
“Eu deixo a televisão ligada e assisto os jogos da sacada da minha sala. Eu posso até transmitir o jogo daqui, pois consigo enxergar de gol a gol. Só não dá para ver a linha lateral das sociais porque o telhado encobre, mas quando o jogador solta a bola, já está no meu olhar”, detalha Piva.
“Eu morava em uma casa na Cidade Universitária, mas há 12 anos me mudei para esse endereço atual, que é um edifício bonito, alto e maciço da construtora Lix da Cunha. Comprei o apartamento por causa da minha filha. Quando fomos conhecer, ela começou a chorar de soluçar quando olhou pela janela da área de serviço e viu metade do campo, a da cabeceira sul do gol do fundo. A moça da imobiliária falou: ‘Imagina quando ela for na sala’. Eu nunca tinha levado minha filha ao estádio e nem a forçado a torcer para nenhum clube, mas acho que a Ponte está no nosso sangue, pois minha neta é a mesma coisa. Assim, tive que levá-las pela primeira vez ao campo. Fomos uma meia dúzia de vezes, mas as duas não gostaram de ficar nas cadeiras sociais, então passamos a ir no meio da Torcida Jovem”, conta Luiz Antonio Piva.
Maior público com Pelé em campo
O recorde oficial de público do estádio Moisés Lucarelli foi registrado no dia 1º de fevereiro de 1978, quando 37.274 torcedores, dos quais 34.958 pagantes, assistiram à partida entre Ponte Preta e São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro, com vitória do time da capital paulista por 3 a 1.
No entanto, é consenso que o estádio pontepretano nunca recebeu tanta gente quanto no dia 16 de agosto de 1970, apenas cinco dias depois do aniversário de 70 anos do clube. Na ocasião, o Majestoso ficou pequeno para o duelo contra o Santos do Rei Pelé. Dois meses antes, o camisa 10 havia se sagrado tricampeão mundial pela Seleção Brasileira, no México.
“Na ocasião, a Macaca disputava a liderança do Campeonato Paulista. Cerca de 40 mil pessoas superlotaram o estádio: havia gente sobre todas as coberturas e até mesmo no gramado. O público não foi divulgado porque as catracas foram arrombadas em meio ao tumulto para acesso ao estádio”, descreve o jornalista e escritor pontepretano Stephan Campineiro, no livro “Majestoso 70 – O estádio construído pela torcida que tem um time”, que publicou em 2018. O histórico confronto terminou com vitória santista por 1 a 0, com gol do atacante Douglas, após jogada individual de Pelé.
“A Ponte Preta havia subido da Segunda para a Primeira Divisão, em 1969, com Wilson; Nelson, Samuel, Araújo e Santos; Teodoro e Roberto Pinto; Dicá, Alan, Manfrini e Adilson”, escala Luiz Antonio Piva, sem hesitar.
Com 18 anos então recém-completos, Piva trabalhou como repórter de campo naquela partida memorável com a presença de Pelé e guarda uma curiosa relação com o autor do gol da vitória do Peixe. “O Douglas tinha cursado Química comigo e sempre falava que seria jogador. Ele fez teste no Santos e entrou na hora. Depois de um ano, já era centroavante titular do time”, revela Piva, que ao término do jogo abordou Pelé no vestiário do Moisés Lucarelli com uma missão inusitada.
“O Pelé já tinha tomado banho e estava se enxugando quando pedi para ele gravar uma chamada para o meu programa. Eu havia escrito o texto em um pedaço de papel na redação, antes de ir para o estádio”, recorda Piva. O conteúdo da anotação continha os seguintes dizeres: “Aqui quem fala é o Pelé e você está ouvindo ‘A Grande Parada’ pela Rádio Educadora, com Luiz Antonio Piva”.
Luiz Antonio Piva trabalha há mais de 40 anos na Rádio Brasil Campinas, onde apresenta o programa “A Grande Parada”, aos sábados. Na última terça-feira (7), a atração radiofônica completou 52 anos no ar de forma ininterrupta, na voz do mesmo apresentador. O programa começou a ser transmitido em 1969, na Rádio Educadora, atual Bandeirantes, onde Piva iniciou a carreira como radialista e permaneceu até o fim dos anos 70.
“Oliveira Andrade, Roberto Diogo e Renato Otranto estavam comigo e são testemunhas disso, inclusive me pediram para não cometer essa inconveniência com o Pelé. Mas o pior que ele poderia fazer era recusar e responder que eu era um moleque sem autocrítica. Meu gravador era enorme, com um palmo de largura e dois de comprimento. Tinha que apertar um teclado vermelho e outro branco na frente para gravar. Não era que nem hoje que qualquer recém-nascido grava áudio com o celular”, compara.
A partir de então, ocorreu o seguinte diálogo, de acordo com Piva:
— Meu Rei, o senhor me dá licença? Meu nome é Luiz Antonio Piva e está aqui o meu papel. Você poderia por favor gravar esse texto para mim?
— Quanta honra, filho! Só que eu não sei falar direito, posso gravar várias vezes?
— Pode, sim! O senhor vai cobrar cachê?
— Não, filho, claro que não!
Com toda gentileza e cortesia, Pelé dirigiu-se ao gravador devidamente posicionado abaixo de seu queixo e começou a ler o texto. Porém, quando estava na última sílaba da frase, pronunciou incorretamente a letra “S” no fim do sobrenome do apresentador de “A Grande Parada”. Ou seja, em vez de dizer “Piva”, o craque do Santos proferiu “Pivas”.
“Se isso acontecesse hoje em dia, eu pediria para o editor da rádio cortar o ‘S’ no final, mas naquela época era complicado fazer isso com gravador de rolo, então pedi para o Pelé gravar de novo. Ele ensaiou mais duas ou três vezes, mas na hora de gravar falou ‘Pivas’ de novo. Acredite se quiser, todas as vezes que Pelé voltou para jogar em Campinas, continuou me chamando de ‘Pivas’ e sempre perguntava se não iríamos gravar uma nova chamada para o programa”, delicia-se Piva.
Em agosto de 1970, Pelé realizava a sua quarta visita ao estádio Moisés Lucarelli, onde havia pisado pela primeira vez no dia 8 de dezembro de 1957, aos 17 anos, marcando um dos gols da vitória santista por 2 a 1. A quinta e última aparição do Rei no campo da Ponte aconteceu em 1971. Em todas as ocasiões, Pelé saiu vitorioso e, com exceção do duelo de 1970, sempre marcou pelo menos um gol.
Atualmente com 80 anos, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, recupera-se de uma cirurgia para retirada de tumor no cólon direito, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
“A Ponte Preta era para ter sido campeã paulista em 1970, mas foi roubada na final contra o São Paulo. O Arnaldo Cezar Coelho deu um pênalti do zagueiro Geraldo dois passos fora da grande área. Eu estava transmitindo o jogo no Morumbi, assim como também trabalhei nos três jogos da decisão contra o Corinthians, em 1977. Eu estava atrás do gol do Carlos quando o Boschilia expulsou o Ruy Rey. A Ponte era muito superior e podia ser no mínimo tricampeã paulista, pois também jogou a final contra o Corinthians em 1979”, declara Piva.
Alvoroço e emoção com Cristiano Ronaldo
Em 2014, a cidade de Campinas foi escolhida como base da seleção de Portugal para a disputa da Copa do Mundo, no Brasil. Com isso, coube ao estádio Moisés Lucarelli abrir as portas para o então melhor jogador do mundo, o craque Cristiano Ronaldo, que havia acabado de ser campeão europeu com o Real Madrid. Na ocasião, dois treinos abertos à torcida foram realizados no Majestoso, nos dias 12 e 18 de junho.
“Eu assisti e filmei da minha sacada. O mais interessante é que no dia seguinte, o dono do Royal Palm Plaza, o Sr. Armindo Dias, me ligou convidando para ir até o hotel, pois os jogadores de Portugal estavam hospedados lá. Eu tinha muita liberdade com o Armindo, pois era um grande amigo e patrocinou o meu programa de rádio por 23 anos”, relembra Luiz Antonio Piva, que conheceu de perto Cristiano Ronaldo e ganhou a oportunidade única de dialogar por alguns minutos com o grande craque português.
“Eu até me emociono, pois foi uma experiência que nunca mais vou esquecer. Cristiano Ronaldo estava sentado no salão de almoço e o Armindo foi até a mesa para chamá-lo. Imagino que eles já se conheciam lá de Portugal, pois o Armindo era português e tinha casa em Funchal, na Ilha da Madeira, onde o Cristiano nasceu. Eu estava do lado de fora do salão, com a camisa da Ponte na mão. O Cristiano se levantou, veio na minha direção e me perguntou porque eu estava tão apavorado e respondi que era porque estava diante do meu maior ídolo na vida”, relembra Piva.
O rápido e emocionante encontro rendeu uma frase da qual Piva nunca mais esqueceu: “Eu nem sei sinceramente quanto dinheiro tenho no banco, nem quantas propriedades e quantos carros importados, mas isso o dinheiro compra. O que o meu dinheiro não compra é a tua amizade e o teu respeito, Sr. Piva”.
Hoje com 36 anos, Cristiano Ronaldo tornou-se o maior artilheiro da história de uma seleção nacional no último dia 1º de setembro, alcançando a marca de 111 gols com a camisa de Portugal. O recorde foi batido alguns dias depois do anúncio de seu retorno ao Manchester United após 12 anos. Ele reestreou ontem (10) pelo time inglês com dois gols sobre o Newcastle, na vitória por 3 a 1.