A pandemia do novo coronavírus atingiu o mundo em cheio desde os primeiros meses de 2020. É claro que a ameaça do vírus segue causando impactos na economia, na saúde, nas relações em diversas esferas e na educação. Os estudantes foram privados da vida escolar presencial e os professores tiveram de se desdobrar para se adaptar ao ensino remoto. Na esteira dessas transformações há prejuízos educacionais, mas eles são recuperáveis, defende especialista ouvida pelo Hora Campinas.
A partir da chegada do novo coronavírus em março do ano passado, foi preciso instituir o distanciamento social, entre outras medidas, para resguardar a saúde da população. Com isso, todas as atividades sofreram impactos, inclusive a educação, com o fechamento das unidades de ensino e a manutenção dos estudantes em casa.
As escolas tiveram de correr contra o tempo para conseguir implantar um sistema tecnológico que permitisse as aulas a distância e também a adaptação do conteúdo. Mas essa adaptação não foi fácil e exigiu muito jogo de cintura.
“No ensino remoto é claro que tem perda. Não dá para imaginar que numa situação como essa, não teria perda na educação. Nosso país não está acostumado a esses desastres de dimensão nacional. Até porque o país é muito grande. Às vezes tem um desastre localizado no Sul, outro no Nordeste, mas não nessas dimensões, ainda por cima no mundo todo”, diz a professora Ângela Soligo, Doutora em Psicologia e docente da pós-graduação em Educação da Unicamp.
A especialista elenca algumas perdas sentidas na educação com o processo de ensino remoto. A primeira foi a questão da acessibilidade. “O ensino remoto não foi acessível para todos os estudantes. Na casa, às vezes, só tem a internet do celular, pré-paga, que é muito precária, mas tem de assistir pelo celular porque não tem computador. Tem casa que tem computador, mas a família inteira para usar, com pai e mãe em home office. Então, não foi acessível porque nem todas as crianças e adolescentes puderam efetivamente ter a atividade remota”, diz.
“É muito bom ser um polo tecnológico e Campinas é, mas será muito bom ser também uma grande referência na educação, na recuperação da educação. Que essa reação seja construtiva, seja avanço”, afirma Ângela Soligo, Doutora em Psicologia e docente da pós-graduação em Educação da Unicamp
Para ela, a segunda perda foi justamente a experiência do ensino remoto, já que ninguém estava preparado para ele. “O corpo docente não estava preparado. Nem na universidade a gente estava preparada para dar aula de forma remota. As professoras e professores fizeram um esforço enorme para aprender rapidamente, para criar estratégias. Isso de fato aconteceu e vem acontecendo, com coisas muito bacanas. Mas, teve um período de adaptação também dos alunos para esse jeito de aprender”, fala.
A docente lembra que os alunos precisaram e continuam precisando muito da ajuda da família. “Aquilo que dependia da ajuda das famílias, nem sempre elas têm grau de instrução suficiente para ajudar. Ou mesmo que tenha grau de instrução suficiente, às vezes, a época em que o pai e a mãe estudaram aprendia de um jeito e agora é de outro. Ou seja, nem todas as famílias tiveram condição de ajudar”, explica.
De acordo com Ângela, por conta disso, em muitos casos os professores tiveram de dar um atendimento individualizado. “Isso acontece. Disponibilizaram WhatsApp pessoal e, com frequência, chegavam mensagens pedindo ajuda. Então tem a dificuldade de fazer sozinho o que antes fazia na sala de aula com os colegas e com apoio dos professores. Aliás, é insano defender o ensino domiciliar depois da experiência da pandemia. As famílias, em geral, entenderam quanta falta a escola faz”, reforça.
Outra perda na visão da especialista foi na interação social. “A perda exatamente do lugar da interação entre iguais, a sala de aula, lugar em que as crianças, os jovens interagem o tempo todo. O meio remoto não permite isso, não da maneira como a escola. A escola é muito importante para aprender, amadurecer, conviver. Acho que essas são as três grandes perdas dessa transposição para o ensino remoto”, comenta.
Neste ano, houve o início do retorno às aulas presenciais de forma híbrida. Ou seja, em esquema de rodízio, um percentual dos alunos pôde frequentar a escola, enquanto o restante continua nas aulas online. Mas o retorno foi conturbado, com seguidas mudanças de data de início, com os professores e sindicatos contrários e com casos de contaminação.
“Ficou esse volta não volta e, mesmo que de forma parcial, trouxe problemas. O maior deles é a contaminação pela Covid-19. Eu e outros educadores somos da opinião de que esse ano não era para voltar às aulas presenciais porque nós temos um percentual muito pequeno da população já imunizada com a segunda dose. Uns 15%, isso é muito pouco para colocar de novo na escola, expor crianças, jovens e adultos. São professores, são as equipes escolares, o pessoal da limpeza, e as pessoas que vão tomar ônibus com algumas dessas crianças e trabalhadores. O percentual de vacinados é muito baixo e o risco é muito alto”, avalia.
Para Ângela, no entanto, todos os impactos na educação são recuperáveis. “Esse país não viveu tragédia de dimensões continentais como essa, por isso, o sentimento de que as perdas são irreparáveis. A única perda irreparável, de fato, é quando se perde vida. Essa é uma pergunta irreparável. As outras são administráveis”, afirma.
A educadora lembra que vários países da Europa passaram anos em guerra e as crianças não iam para a escola, nem tinha ensino remoto. “Isso não significou que depois as crianças e jovens não tiveram como recuperar a aprendizagem”, diz.
“O Japão recebeu duas bombas atômicas, foi devastado. O Japão é um exemplo no campo da educação. A gente precisa entender que sim, há perda, mas sim, são perdas que podemos recuperar”, afirma Ângela.
De acordo com ela, quando 70% da população estiver vacinada e já for seguro o ensino completamente presencial, o retorno às escolas vai exigir planejamento e diagnóstico de cada escola e de cada turma, para entender a situação de cada aluno.
“Inclusive considerando que uns já avançaram e outros não. As escolas precisam fazer um bom planejamento e que aproveitem a experiência remota e criem estratégias de reforço com aula remota ou presencial. Há muitas possibilidades de recuperação”, diz.
“Campinas tem plenas condições de fazer isso, tem um corpo docente altamente qualificado para investir nessa recuperação e construir um futuro melhor que o presente que nós temos”, afirma Ângela Soligo, Doutora em Psicologia e docente da pós-graduação em Educação da Unicamp
A educadora reforça que não é verdade que os impactos da pandemia na educação são irrecuperáveis. “É preciso entender que isto não é irrecuperável, mas é preciso diagnóstico, planejamento, estabelecer estratégias e precisa apoio do poder público”, diz.
Segundo ela, com essa experiência há a possibilidade de avanço. “É bom para o poder público entender quanto é importante conhecer a realidade de cada escola e trabalhar a partir dessa realidade. Nem tudo é prejuízo. Tem coisas muito boas que podem sair de tragédias. Se a gente conseguir melhorar a educação a partir dessa experiência, toda a cidade ganha com isso. Uma escola pública melhor vai contribuir para formar não só pessoas com melhores conhecimentos, e isso é bom para o mundo do trabalho, mas contribui para formar uma cidade mais humana, mais acolhedora, mais inclusiva, a boa educação faz isso. Ela forma melhores cidadãos e toda a cidade ganha com isso”, analisa.