A duração prolongada da pandemia do novo coronavírus, que completou um ano no mês de março, e que ainda segue sem previsão de quando terá um fim, tem sido um desafio para a saúde emocional da população. Isso é comprovado por pesquisa realizada pela Hibou – empresa de pesquisa e monitoramento de mercado e consumo. Após um ano de pandemia, sentimentos considerados ruins são os mais comuns.
A pesquisa mostra que 78,4% da população sente preocupação com toda essa situação, 59,2% estão inseguras, 51,8% estão cansadas, 50,5% sentem medo e 38,5% sentem exaustão. “Estamos exaustos com toda essa situação e o sentimento de impotência, medo, insegurança e incerteza está cada vez mais presente. O brasileiro sinalizou que não sabe quando acaba ou como vai ser o dia seguinte, e que isso é horrível, além de ter que conviver com a sensação de não poder fazer planos para um possível futuro”, diz Ligia Mello, sócia da Hibou.
Os números maiores e que mais afetam o desgaste emocional são: o medo de alguém de casa ou da família ficar doente para 80,1% das pessoas e a falta de ação do governo para 58,6%.
Ações de isolamento são complicadores que devem ser consideradas, já que 23,2% se sentem pior por não encontrar os amigos, 22,7% por não poderem sair de casa, 19% se incomodam por ter de utilizar máscara na rua e 16,9% por terem ficado sem trabalho e não viajar.
Na Região Metropolitana de Campinas (RMC) não é diferente. A analista administrativa, Michelle Coelho Muniz, de 33 anos, que mora com a mãe e um sobrinho em Hortolândia, diz que se sente sem esperança. “A gente se sente sem expectativa de que isso vá melhorar. A pandemia está se estendendo cada vez mais e são tantas perdas que a gente acaba meio que desistindo de pensar em um a curto prazo, de que a gente possa voltar com os nossos planos de um ano atrás”, diz.
A falta do abraço
A família toda dela mora em São Paulo e mesmo com o uso da tecnologia para a comunicação, a sensação não é a mesma, diz. “Nós estamos acostumados a ter contato com as pessoas, o toque, o tato. Foi muito difícil para a gente se acostumar com o distanciamento. Fiquei um ano sem vê-los. Eles vieram aqui poucas vezes e mesmo assim só do portão ou da área para fora. Não abraça, não beija, coisa que a gente estava acostumado. É muita saudade e quando a gente vê a gente não pode abraçar, não pode beijar, e agora a sensação é de que vai ficar pelo menos mais um ano assim”, relata.
“Eu não perdi a empatia com o próximo, mas parece que os políticos, os que têm o poder, perderam a empatia por nós, pela população. É um descaso”, Michelle Coelho Muniz, analista administrativa.
O número de mortes por coronavírus segue em ascensão. Entre os entrevistados pela pesquisa, 60,2% afirmaram que perderam alguém que era próximo de um conhecido, e quase metade dos entrevistados (49,6%) relatou que perdeu algum familiar ou amigo. Apenas 9,3% não perderam ou conhece alguém que tenha perdido alguém para o coronavírus.
O namorado de Michelle perdeu duas tias que eram irmãs, na faixa dos 60 anos, e um primo na faixa dos 30, que era filho de uma delas. “A gente entende que vai ter que lidar com a morte de um familiar próximo em algum momento da vida, só que essa realidade parece que chegou mais rápido do que deveria para muitas famílias. É muito difícil se acostumar e tentar se adaptar a duas, três perdas em tão pouco tempo. Isso destrói, desestrutura”, afirma.

Esses sentimentos também são compartilhados pela apresentadora de eventos e mestre de cerimônias, Luana Costa Campos, de 34 anos, de Campinas. Ela já teve a doença e está preocupada. “Com o surgimento dessas novas cepas tudo mudou e o medo agora é mais recorrente. Eu fico com receio por mim, pela minha família e pelos meus amigos, até porque há duas semanas tive a notícia da morte de seis pessoas próximas a mim. Meu vizinho e o pai dele ficaram internados. O pai mesmo com comorbidades sobreviveu, mas o filho com 40 anos e sem nenhuma doença não se salvou. Meu ginecologista morreu por causa da Covid-19 e uma amiga ficou dois meses na UTI e está melhorando só agora”, conta.
Por todas essas notícias de pessoas próximas, mesmo fazendo a maior parte dos trabalhos a partir de casa, o sentimento é cada vez pior, segundo Luana. “Além desse medo, dá uma sensação de impotência. Essa sensação de que essa bomba está quase explodindo aqui pertinho. Eu posso fazer alguns trabalhos remotamente, mas diminuíram muito. Estou só com uma fonte de renda, que é um cliente fixo, mas é muito pouco. E não dá para confiar no governo federal, no governo municipal, nem no estadual, porque cada um tem uma atitude diferente. A vacinação também está atrasada e ainda têm denúncias de que fingem que aplicam”, relata.
“Não tem mais grupo de risco. Se você está vivo você faz parte do grupo de risco. Me sinto numa corda bamba em um precipício a mais de 100 metros de altura, ventando, chovendo e sem cordas de proteção”, Luana Costa Campos, de 34 anos, apresentadora de eventos e mestre de cerimônias.
A pesquisa também revela que apenas 7 em cada 10 brasileiros estão aplicando os principais protocolos de biossegurança. “Outro dado surpreendente é que, mesmo insatisfeitas, lá em abril de 2020, 85% das pessoas recomendariam a amigos ficar em casa para conter a proliferação do vírus. Esse número caiu muito em 2021 e apenas 43% fariam essa recomendação. Ou seja, depois de tanto tempo as pessoas estão desacreditando que ficar em casa é um caminho válido”, aponta Ligia Mello, responsável pela pesquisa.
Segundo o levantamento, entre as mudanças de comportamento impostas pela pandemia e que continuam ativas, 79,2% responderam que seguem utilizando máscara ao sair de casa, 73% lavam as mãos com mais frequência, 70,4% evitam locais públicos, 69,9% reduziram visitas à casa de amigos, 47,9% se policiam para não encostar em superfícies públicas (maçanetas, botão de elevador e etc.) e 46,8% tentam não tocar o rosto na rua. O brasileiro (46%) se informa sobre a situação da pandemia principalmente pelas redes sociais.
O home-office segue como opção de regime de trabalho para 20,9%. Em comparação, entre o ano de 2020 e 2021, ficou claro também que tudo está muito mais intenso e corrido, já que essa sensação passou de 12,3% para 25,7% esse ano.
Entre os entrevistados, 64% continuam em casa e saindo estritamente para o necessário, 31,4% continuam trabalhando normalmente fora de casa, mas tomando os devidos cuidados, e 12,4%, seguem em casa, mas saindo mais que no início da pandemia. Outros 2,7% não acreditam mais na quarentena e pararam com o isolamento social e apenas 1% nunca fez.

O coordenador de marketing, Eder Gonçalves, de 34 anos, morador em Hortolândia, relata que continua com o mesmo receio de um ano atrás. “Continuo bastante receoso porque para a minha faixa etária não existe nada a ser feito a não ser tomar cuidados. Também estou muito receoso porque estamos vendo hoje um dos piores momentos desde o início da pandemia, principalmente, pela falta de hospitais, esse caos no sistema de saúde. Tanto no sistema particular quanto no (Sistema Único de Saúde) não há garantias de que haja tratamento caso eu seja infectado e necessite de um tratamento mais é intensivo”, explica.
Por conta desse medo é que ele continua com os cuidados primários. “Eu continuo tomando todos os cuidados que eu tinha desde o começo, entre eles, ter o mínimo de contato com outras pessoas, sair de casa para fazer somente o necessário. Só para ir em supermercados e visitar meus pais. Quando eu chego do supermercado eu faço toda a higienização dos produtos, obviamente utilizando máscara na rua, também higienizo o meu sapato, passo álcool, então eu venho mantendo esses cuidados desde lá”, explica.
O coordenador de marketing relata que fica vários dias sem sair do apartamento. Por conta da falta de contato com os amigos e incerteza com relação ao futuro, ele procurou ajuda especializada.
“Essa falta de certeza, todas as restrições ao que a gente estava acostumado de uma hora para outra, me deixou muito abalado emocionalmente porque o contato físico é muito importante para nós que somos seres sociais. Tudo o que vem acontecendo gera pânico, medo e desestabiliza. O acompanhamento psicológico virtual tem me ajudado a lidar com isso tudo”, diz.
A pesquisa de monitoramento sobre o comportamento na pandemia também abordou a opinião da população sobre o fechamento das atividades e comércio nas últimas e próximas semanas. Atividades como escolas (43,9%), bares (39,2%), academias (49,4%), shoppings (32,3%) e parques e praias (63,7%) deveriam fechar completamente por mais uma semana. A abertura dos supermercados (48,8%) é a única atividade que, segundo a população, deveria funcionar normalmente. O brasileiro considera diferente o consumo na mesa entre bares e restaurantes, já que, para alimentação, 41,6% acreditam que é um serviço que deve continuar funcionando, mas apenas por delivery e internet. Já os serviços gerais (40,8%), como cabeleireiro e lavanderia, ao lado de fábricas e indústrias (43,9%), deveriam funcionar em horário reduzido.
Sobre a metodologia do levantamento, um total de 1.698 brasileiros responderam a pesquisa de forma digital, entre 29 e 30 de março de 2021, garantindo 95% de significância e 2,38% de margem de erro nos dados revelados. A pesquisa engloba níveis de renda ABCD e todas as faixas etárias. Entre os entrevistados, 57% têm idade entre 36 e 55 anos, 55% são mulheres, 35% moram em residências com dois moradores e 47% seguem algum regime de home office.
Impacto do isolamento é intenso
Anita Colletes Bellodi, professora da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas, aponta que os impactos do isolamento são negativos na saúde emocional.
“O impacto de tanto tempo isolado é intenso. O contato social é importantíssimo para o ser humano. Ficar privado desse contato pode trazer sentimentos de angústia, tristeza e medo. Quando a gente não vê o outro a gente passa a imaginar, fantasiar e esses pensamentos costumam ser desagradáveis”, diz a professora.
Segundo a profissional, sentir medo é natural, mas na pandemia os estímulos para o medo são maiores. “O estímulo está o tempo todo nas informações, na televisão, na internet, no contato com o outro. Pessoas que eram queridas e traziam satisfação agora representam perigo. Tem crianças e adolescentes, por exemplo, que não querem que os pais cheguem perto, com medo de se contaminarem e morrer”, detalha.
Ela explica que o medo está muito ligado à própria morte ou a de gente querida. Não é uma informação falsa, é algo que ela tem ou teve contato, está acontecendo. Não é uma criação. O vírus e a morte não são uma criação. “Ter sintomas psicológicos é uma reação normal a uma situação anormal. Se começar a atrapalhar ou inviabilizar a rotina, as atividades diárias como se alimentar, trabalhar, dormir bem, estudar, é um alerta para procurar ajuda. Tem muitos profissionais e serviços médicos e psicológicos mesmo via teleatendimento.