O clima tenso que toma conta do Brasil por conta da pandemia do coronavírus altera o clima festivo da Páscoa. A via-crúcis vivida pelo povo brasileiro não precisou contar nesta Semana Santa com penitência e jejum, tantas são as provações que os cidadãos enfrentam, isolados, com perdas financeiras significativas e luto pelas vítimas da Covid-19. O que nos resta é dividir o pão e praticar a solidariedade.
Nada mais inatual que os exageros de consumo em fase de escassez. Isso me faz lembrar a história do sino gigantesco que o padre Robson de Oliveira, ex-reitor da Associação dos Filhos do Pai Eterno de Trindade (Goiás), encomendou para a basílica que seria construída graças aos donativos dos fiéis.
A imprensa divulgou recentemente que o sino foi adquirido por R$ 6 milhões, mas o Ministério Público de Goiás revelou em seguida ter custado R$ 17 milhões. A Afipe (Associação dos Filhos do Pai Eterno) admitiu que a quantia de R$ 17 milhões procede, mas refere-se à compra de 73 sinos ao todo. Misericórdia!
O escândalo de Trindade mais parece obra de ficção, mas é real. Inclui traições, chantagens, desvio de dinheiro, falsificação de documentos e outros crimes. Isso tudo foi parar no Fantástico (Globo), em jornais e portais de todo o País. Desde o ano passado, o padre com fisionomia de santo passou a ser visto como um grande pecador.
Esse descaso com os mais carentes é uma questão a ser levada mais a sério por católicos, evangélicos, protestantes, não importa o credo. Não faz sentido ter igrejas luxuosas e fiéis sem condições de colocar carne na mesa, seja no almoço da Páscoa ou nas refeições do dia a dia.
Sinto falta de padres como dom Pedro Casaldáliga, que morreu em agosto do ano passado, aos 92 anos. Morava em São Félix do Araguaia (MT), praticamente um único cômodo a abrigar seus livros preferidos, além de uma cama modesta, bem diferente da king size exibida na mansão do padre Robson pelo Fantástico.
Ao contrário do luxo ostentado pelo padre-celebridade de Trindade, Casaldáliga era avesso à ostentação e chegou a escrever o poema Cemitério do Sertão, que diz assim: “Para descansar/ eu quero só/ esta cruz de pau/ como chuva e sol/ estes sete palmos/ e a Ressurreição”.
Claro que outros sacerdotes do bem fazem obras decentes, como é o caso do padre Júlio Lancellotti, de São Paulo, que luta para empoderar as minorias. Durante a pandemia, mesmo fazendo parte do grupo de risco, distribui alimentos, roupas e kits de higiene a quem precisa. “Não podemos abandonar justamente agora quem está mais vulnerável”, comentou em entrevista recente.
A ele e a quem colabora com os mais necessitados, gratidão. Uma Páscoa de reflexão e paz para quem acredita em renovação. Que a próxima via-crúcis seja mais leve e fraterna.
Janete Trevisani é jornalista