Já pensou se no bairro em que você mora seus vizinhos, amigos e familiares se unissem para fazer uma horta comunitária? E se juntos vocês aprendessem a preparar a terra, adubar, plantar, regar, fazer compostagem, cuidar e acompanhar todo o processo de crescimento de uma variedade de hortaliças, chás, temperos e legumes.
Você pode até questionar: Quem zelaria pela horta no dia a dia? Quem regaria? Quem tiraria as ervas daninhas que insistem em aparecer? Mas e se você e seus vizinhos criassem grupos que pudessem se revezar para cuidar da plantação durante os dias da semana? Com isso, o trabalho não sobrecarregaria ninguém. E, ao final desse lindo processo de conexão com os frutos que a terra dá, tudo que fosse produzido seria partilhado com todos. E não só partilhado, mas poderia virar pão, patê, compor marmitas e até ajudar a gerar renda.
Essa história é real, e se chama Agricultura Urbana. O projeto existe desde agosto de 2021, em Campinas, e já tem rendido bons frutos, ou boas colheitas.
Foi implantado pela Fundação Feac em parceria com o negócio de impacto Pé de Feijão em dois territórios de vulnerabilidade social da cidade: São Judas, na região do Campo Grande, e comunidade Menino Chorão, no Campo Belo.
“Todo bairro deveria ter uma horta comunitária como a nossa. Desde que começamos a plantar nos aproximamos de vizinhos que a gente nem conhecia direito, e as crianças também gostam de participar”, comenta Maria Marinho, de 73 anos, que faz parte do projeto junto com as mulheres do grupo “As Bordadeiras Fazendo Arte do Jardim São Judas”. Ela conta que até juntaram o conhecimento do plantio ao bordado e produziram peças inspiradas na plantação.
“Eu já mexi com terra, nasci em Minas, trabalhei muito na roça, mas aprendi muito nesse projeto da Feac. Nós cuidamos da horta comunitária e temos também um pequeno canteiro em casa, com chás, folhas, temperos”.
Metade do grupo de bordadeiras se chama Maria, e a Maria Bonfim, de 53 anos, conta que quando era pequena morou na roça e trabalhou com colheita de café, feijão, arroz. “Mas aqui voltei a plantar de forma diferente, aprendendo sobre adubação, tempo da colheita, tempo de plantar cada coisa. Tem sido maravilhoso mexer com a terra de novo”, conta.
Pé de Feijão
A bióloga e cofundadora do Pé de Feijão, Luisa Haddad, conta que na primeira fase o projeto focou em estimular o plantio em casa. “Os grupos participaram de oficinas quinzenais sobre temas como horta doméstica, compostagem doméstica, chás medicinais e aproveitamento integral dos alimentos”, conta Luisa.
Já na segunda fase, o projeto expandiu a ação para a implantação de hortas comunitárias, focando no trabalho coletivo. “A equipe ensinou todas as etapas de uma produção agrícola orgânica e agroecológica, sem o uso de agrotóxicos. Além disso, levamos o processo de irrigação para lá, o que facilita muito a continuidade do plantio.
O grupo aprendeu não só usar o alimento in natura, quanto fazer o beneficiamento dos produtos. “Elas fazem pão de mandioca, patês e muitas outras receitas com o que colhem”, diz Luisa.
Agora o objetivo é que esses grupos sejam multiplicadores desses saberes. “Queremos cada vez mais fortalecer o conhecimento técnico para que essas pessoas sejam referência e se tornem multiplicadoras”, destaca a bióloga.
Muito além do plantio
Marcelo Patarro, líder do Programa Desenvolvimento Territorial da Feac, contou que a ideia do projeto veio da necessidade de promover segurança alimentar para as famílias mais vulneráveis de Campinas, devido, sobretudo, ao impacto socioeconômico da pandemia de Covid-19.
“A experiência foi extremamente positiva e gratificante. Além da implantação da horta na Unidade Descentralizada do Cras Satélite Íris, no bairro São Judas, a comunidade implantou uma terceira horta na propriedade do ‘Seu Joaquim’, que destinou a área para o projeto e mantém o uso da área de forma coletiva”, conta Marcelo.
As duas comunidades colocaram a mão na massa e, somando os dois territórios, 130 m² de horta foram implantados, com mais de 1.600 mudas e de 70 variedades de espécies cultivadas.
“Acredito que a maior aprendizagem que tivemos foi entender que a agricultura urbana é uma excelente e potente plataforma (meio) de organização comunitária, fortalecimento de vínculos, segurança alimentar e nutricional, inclusão socioprodutiva e de geração de trabalho e renda”, destaca Marcelo.
Para este ano eles vão manter as atividades, com manutenção e fortalecimento para consolidação dessas hortas.
“Estamos também preparando a implantação de uma nova horta também na região do Campo Grande”, destaca.
Se depender dos grupos que estão literalmente colocando a mão na terra, as hortas urbanas devem invadir a cidade com canteiros de beterraba, cenoura, mandioca, milho, cheiro-verde e muitas ervas para chás, como os de hortelã e camomila.
Kátia Camargo é jornalista e depois de conhecer o projeto Horta Urbana da Feac começou a olhar os espaços no seu bairro que poderiam virar lindas e potentes hortas urbanas, que cultivam, muito além do plantar, a importância da vizinhança, da comunidade e o amor pelos frutos que a terra dá.