“Evitar o sofrimento é
uma forma de sofrimento”
Mark Manson
Basta ficar um tempo nas redes sociais para encontrar algo que cansa: a positividade tóxica. Tudo bem que ser positivo tem um lado saudável e nos ajuda a enfrentar os desafios da jornada, mas esse movimento good vibes only (apenas boas energias), em pleno período pandêmico, é lamentável!
Ainda bem que tem gente atenta para captar isso. É o caso da atriz vencedora do Prêmio Shell, Ilana Kaplan, que viralizou nas redes ao apresentar, no final de março, a personagem Keila Mellman, uma decoradora de interiores que precisou se reinventar durante o isolamento e passou a decorar lives. Ganhou fãs graças a um bordão em que pede cautela para as ostentações nas redes sociais.
“Quer postar? Posta. É de bom-tom? Não, não é de bom-tom! Então não posta”. Ideia brilhante a de Ilana ao criar Keila. Tem que ter mais sensibilidade nesse período tão diferente de tudo o que já vivemos.
A cantora Anitta, por exemplo, desfila com o novo namorado nos Estados Unidos, e segundo os sites de celebridades, trata-se de um bilionário. Não seria mais prudente da parte dela exibir-se menos e usar o bordão da Keila? É praticamente proibido beijar e abraçar nesse período, mas alguns famosos fazem questão de mostrar que tudo continua como antes na vida deles.
Nessa fase de isolamento social somos cobrados o tempo todo. É preciso ocupar as horas livres com cursos on-line, desenvolver projetos, mesmo no home office apertado de todo dia, crianças ao redor, faxina da casa na lista de afazeres (sem faxineira), tudo isso e mais um pouco.
Dá até um certo mal-estar ler notícias do gênero: “Cauã Reymond e Mariana Goldfarb alugam helicóptero para ir a Búzios”; “Andressa Suíta e Gusttavo Lima passeiam de iate com amigos em Angra dos Reis”. Não era pra ficar em casa? Mesmo assim quer postar?
Então avalie se não seria desrespeitoso com as famílias que perderam entes queridos pelo vírus. Ou mesmo com os desempregados, os cidadãos trancados em casa, os médicos que atuam em UTIs lotadas, enfermeiros, trabalhadores que enfrentam ônibus cheios…
Confesso que, embora não seja propriamente positividade tóxica, também me causou um certo mal-estar ver o casalzão do GNT – Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima – no novo programa, Bem Juntinhos, mostrando toda aquela paz no sítio da família.
Os dois são do bem, ele muito simples e autêntico, mas a chamada que uma repórter fez da atração, suspirando pela imagem do apresentador, remeteu a um conto de fadas. Soou artificial, como se o casal vivesse numa bolha, bem distante do mundo real.
Postar o tempo todo o lado demasiadamente feliz da vida é sinal de que a pessoa despreza o negativo. Quem vive só de excessos de alegria tem mais dificuldade para construir resiliência, capacidade de sair mais forte depois de uma situação difícil.
Quem esconde todo e qualquer problema, vive de aparência, não encara o luto, engata em uma relação atrás da outra para não sofrer com o término de um romance, pode ter certeza que, em algum momento, sentirá o desgaste. Tem que enfrentar, sofrer, lamentar e depois recomeçar. É preciso abraçar e cuidar das nossas tristezas, ser gentil com nossas dores. Isso é se gostar.
Sem contar que o excesso de positividade pode infantilizar uma pessoa. Isso me faz lembrar Pollyana, personagem de um clássico da literatura infanto juvenil, lançado em 1913 por Eleanor H. Porter. Ela era uma otimista incurável, acho que hoje seria um pouco mais comedida em seu otimismo.
Quando você conta algo negativo sobre sua vida para um amigo, vez ou outra ouve: “Tenta pensar positivo”. Às vezes, é preciso chorar até quando a música favorita toca durante as compras no supermercado. Temos que respeitar nossas emoções, afinal somos imperfeitos, não tem como ser positivo o tempo todo.
“Qualquer tentativa de escapar do negativo, evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo, falha. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento”, escreveu o escritor americano Mark Manson em A Arte Sutil de Ligar o Foda-se. Isso define a positividade tóxica ou o positivismo extremo: impor a nós mesmos (ou aos outros) uma atitude falsamente positiva, que acaba por silenciar as emoções negativas.
Ouvimos com frequência o que a somatização provoca em nosso organismo. Acne, diarreia, queda de cabelo, uma infinidade de coisas desagradáveis que poderiam ser evitadas se tivéssemos encarado frustrações e fracassos de frente.
Empurrar todo e qualquer problema para debaixo do tapete contribui para aumentar a ansiedade e a compulsão em tempos de Covid-19. Em muitos casos, o melhor é consultar um terapeuta para o quadro não se agravar.
Especialistas dizem que a positividade tóxica está a um passo do negacionismo. Basta pensar positivo para não pegar Covid? Me poupe! Emanar boas vibrações ajuda, é claro, desde que estejamos com máscaras (de preferência duas), mãos sempre limpas e bem distantes das aglomerações.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]