Um dos prazeres de assistir a uma boa trama, para a maioria dos espectadores, está no desafio de imaginar o desfecho. Em A Despedida (Blackbird, EUA, 2019, 97 min.), de Roger Michell (do delicioso Um Lugar Chamado Notting Hill, 1999), o título em português entrega parte da história: no início, não sabemos quem nem como, mas alguém irá partir.
Há quem entenda que o mais importante não é a narrativa da história, mas o modo como se conta e, portanto, não existem preocupações sobre se o texto crítico contém ou não spoilers. Porém, para os que se preocupam com a história, há necessidade de adiantar pelo menos um detalhe porque a trama está longe de ser digerível e é justo que o espectador saiba do que se trata: o filme toca o tema da morte anunciada.
A carismática Susan Sarandon sabe, como poucas atrizes, explorar a delicadeza. Bom exemplo está na comovente cena inicial. No café da manhã, em espaço aberto da casa, ela baila sozinha, sob olhares do marido.
A música deve lhe trazer boas lembranças porque a maneira como dança, arqueando o corpo em suave balanço, é bonito e amoroso, como se fosse um sutil gesto de agradecimento à vida.
Se a trama envolve partida, traz, também, acerto de contas. A família está convidada pelos pais para um fim de semana na casa da praia. Susan interpreta a mãe Liv e, Sam Neill, o pai, Paul. As duas filhas são a comportada Jennifer (Kate Winslet) e a destrambelhada Anna (Mia Wasikowska).
A primeira está acompanhada do marido Michael (Rainn Wilson) e do filho Jonathan (Anson Boon) e, a segunda, da namorada Chris (Bex Taylor-Klaus). E tem a personagem importantíssima da amiga do casal, Liz (Lindsay Duncan). Faz sentido citar todo mundo porque são personagens fortes e decisivos.
Liz, por exemplo, está envolvida em uma história do passado, que irá mexer com Jennifer, mulher cheia de recatos, que traz Kate Winslet de volta para um papel digno de seu talento. A presença de Chris colocará lenha na fogueira da relação entre as irmãs. Elas passaram a vida brigando e, a mãe, pela postura frente à vida, sempre se sobrepôs às filhas.
O adolescente Jonathan, escondido no início da trama, crescerá ao ponto de virar referência de futuro no sentido de apostar na realização pessoal e de tirar dos ombros o peso de viver em uma família marcada por ressentimentos e frustrações.
Veja o trailer no link https://www.youtube.com/watch?v=gsHCRemXGRY
Dois dos momentos mais bonitos envolvem, justamente, Jonathan: em conversa franca com a avó sobre os planos dele e quando acompanha o pai na tarefa de cortar um pinheiro para se montar a árvore de Natal. A força da primeira cena está no fato de que aquele, talvez, tenha sido o momento no qual a vida do garoto tomou novo rumo. Na segunda, a singeleza de comemorar o Natal quando ainda o Natal está bem longe; porém, esta foi a data escolhida para marcar a despedida.
O bom roteiro de Christian Torpe, a partir da ideia original do diretor dinamarquês Bille August, reúne todos os ingredientes de um bom drama familiar. Anda difícil falar sobre assuntos dramáticos nestes tristes tempos em que vivemos – no Brasil, em especial –, mas um bom modo de lidar com dramas pessoais é observar o outro.
Pode haver identificação ou empatia e, nos dois casos, nos aproximamos de nós mesmos, o que pode provocar o choro. Pois era o que faziam os gregos reunidos em arena para assistir à encenação das tragédias e gerava a catarse.
Em A Despedida, olhar para nós mesmos será inevitável, pois famílias são todas iguais. Basta que nos identifiquemos com os personagens. Ou, no mínimo, que façamos brotar nossa empatia por eles.
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João Nunes é jornalista e crítico de cinema