Gosto de assistir novelas antigas para observar como eram os personagens e como estão os artistas que os representaram. Acompanhei Mulheres Apaixonadas (2003), recém-reprisada no Viva, elenco fabuloso, Suzana Vieira no papel da vibrante Lorena. Hoje, quase 20 anos depois da estreia da trama de Manoel Carlos, a atriz enfrenta um problema de saúde com disposição, e faz planos de se mudar para os Estados Unidos daqui a uns dois ou três anos. Quer ficar perto da família.
Quando uma trama acaba, é comum que o espectador fique matutando se aqueles casais das histórias ficariam juntos mesmo, como é o caso de Helena (Christiane Torloni) e César (Zé Mayer) em Mulheres Apaixonadas. Será que César deixaria de ser mulherengo para amar uma única mulher?
Podemos supor como seria, mas acompanhamos com interesse mesmo é o que acontece com quem interpretou esses papéis. No caso de Zé Mayer, uma denúncia de assédio sexual o fez abandonar as novelas há alguns anos.
A vida imita a arte, a arte imita a vida, e assim acompanhamos realidade e ficção. Na vida real, apesar do livre arbítrio, não dá para escolher o final. Cena dá para fazer do jeito que o público deseja, mas a realidade é do jeito que é, sem direito a reprise.
Olha só o caso de Regina Duarte, namoradinha do Brasil, que ficou desacreditada como cidadã ao entrar para o governo Bolsonaro e disparar aquele comentário infeliz sobre a pandemia do coronavírus, em entrevista à CNN: “Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões, acho que tem uma morbidez neste momento. A Covid está trazendo uma morbidez insuportável, não tá legal!”. Melhor seria se ela tivesse permanecido calada.
Adoro rever Lima Duarte no papel de Sassá Mutema em O Salvador da Pátria (1989), também em exibição no Viva, sem dúvida uma de suas melhores atuações. Aos 91 anos, ele vive em seu sítio. Disse, no dia do aniversário, em 29 de março: “Foram tantos momentos, histórias e personagens que moldaram o que eu sou. Thomas Mann diz que vivemos duas vidas. Uma é essa objetiva: nasceu, amou, trabalhou, morreu. A outra é a memória, que é a mais longa”.
O ator comentou no seu Instagram que tem vivido muito na memória, lembrando da sua jornada no teatro, TV e cinema, da infância, lembranças e lembranças. “A minha vida já está acabando, mas a memória vai persistir”, afirmou.
Na mesma trama, lá está a campineira Maitê Proença, como Clotilde, uma jovem e linda professora que desperta o amor de Sassá. Em recente entrevista ao jornal Extra, ela falou que, no caso de Lima Duarte, a vida fica mais bonita em cores fortes. “Tem tanta gente anestesiada. Lima se joga. Por isso é esse homem querido, essa criatura grandiosa. Eu o amarei para sempre”, disse.
Hoje com 63 anos, madura, experiente, tantas coisas aconteceram na trajetória de Maitê. Tornou-se escritora, diretora, colunista. Nós, seres anônimos, olhamos para fotos e alguns vídeos antigos para relembrarmos o passado. Vez ou outra rasgamos os retratos de momentos que agora desprezamos, mas no caso dos artistas, as obras são revisitadas hoje, daqui a décadas, como será que é pra eles?
Não tem como esconder uma atuação fraca, um deslize, da mesma forma que fica evidente cada interpretação digna de aplausos, como é o caso da campineira Claudia Raia, em Sassaricando, na pele de Tancinha. Aos 54 anos, ela está mais bela e poderosa, dois filhos jovens, dois casamentos, uma carreira bem-sucedida e uma vida pessoal muito feliz.
No caso dos anônimos, dá pra esconder uma coisa ou outra, ou mesmo esquecer com mais facilidade, já que nada (ou quase nada) foi registrado, mas quem é famoso tem seu livro de vida sempre aberto, escancarado.
Escrevo sobre as reprises para falar de nossas escolhas, sejam elas pessoais ou profissionais, e de como a vida é efêmera. Parece que foi ontem que vi Claudio Marzo em Era Uma Vez (1998), no papel de Xistus. A trama está sendo reprisada, sendo que o ator morreu em 2015, aos 74 anos, vítima de complicações pulmonares. Na mesma história, Yoná Magalhães (Anita); Elias Gleizer (Pepe) e Nair Bello (Santa). Todos já partiram. Saudades! Ainda mesmo elenco, Drica Moraes vive a sua íntegra e leve Madalena. Em 2010, a atriz enfrentou um dos mais graves tipos de leucemia. Hoje está curada e agradece ao doador, Adilson, a quem ela chama de irmão.
Para as famílias dos artistas que reaparecem na telinha depois de tantos anos, deve ser bom rever as atuações de seus entes queridos, se bem que também deve dar um nó na garganta quando eles já partiram, mais ou menos como acontece quando vasculhamos os álbuns de fotos de nossos familiares já sepultados.
Nem sempre o resultado de nossas escolhas pessoais e profissionais é suficiente bom se levarmos em conta tudo o que abandonamos no meio do caminho, mas para desempenharmos nossos papéis temos que seguir em frente, com erros e acertos.
“Toda escolha implica uma perda consciente. Depois de pensar na possibilidade que quer para sua vida, vá fundo. Sempre deixaremos de lado outras possibilidades, e isso não é ruim. Faz parte da existência, não se pode ter tudo”, afirmou o filósofo Leandro Karnal há alguns anos, no programa da Ana Maria Braga.
Adão não sentiu angústia ao escolher Eva, já que ela era a única mulher do mundo. Mas, no nosso caso, a angústia ocorre pelo fato de haver outras possibilidades. Vamos seguir em frente, ora ou outra angustiados, mas sempre dispostos a melhorar. Isso nos empodera. “Não importa o que a vida fez de você, e sim o que você faz com o que a vida fez de você”, disse Karnal.
Um grande exemplo de escolhas bem-sucedidas tanto na vida pessoal como na profissional, sem dúvida é o artista Paulo Gustavo, que morreu precocemente, aos 42 anos, no último dia 4 de maio, vítima de Covid-19. De tudo o que nos ensinou, fica a mensagem:
“Enquanto essa vacina tão esperada não chega para todo mundo, é bom lembrar que contra o preconceito, a intolerância, a mentira, a tristeza, já existe vacina. É o afeto. É o amor. Então, diga o quanto você ama quem você ama. Mas não fica só na declaração não, gente. Ame na prática, na ação. Amar é ação. Amar é arte. Muito amor, gente. Até logo!”
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]