Não é de hoje que morar sozinho passou a ser uma meta, tanto para jovens como para idosos. O tema da tese defendida no ano 2000 pela professora Marilim Elizabeth Silva Capitanini, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), continua mais atual do que nunca, embora atualmente ocorram escolhas mais drásticas, que derrubam normas de casar e constituir família, como a que se vê na Coreia do Sul. Lá, antes mesmo do coronavírus surgir para afastar as pessoas, nasceu o Honjok, ou estilo de vida solitário. O movimento ganhou força em 2017, com a hasghtag #honjok, usada para definir um jeito de viver que prioriza o mundo interior, transformando a solidão num espaço seguro para quem decide ser só.
Conversei com a professora Marilim sobre o assunto, mais de 20 anos depois de sua defesa de tese, intitulada “Sentimento de solidão, bem estar subjetivo e relações sociais em idosas vivendo sozinhas”. Ela ouviu somente mulheres com mais de 60 anos, sendo que o conceito descrito no livro A Arte de Viver Sozinho, de Francie Healey, surge agora para descrever a escolha de uma geração de coreanos jovens que abraça a solidão e a independência como características.
Marilim constata que, no Brasil, embora os jovens vivam relacionamentos abertos, sem vínculos fortes, muitos ainda sonham constituir suas famílias.
“O oriental é individualista, o brasileiro mais afetivo”, define, ao comentar que o Honjok certamente seria diferente se caísse no gosto da moçada brasileira. Honjok é a junção de hon (sozinho) com jok (tribo).
Das 20 mulheres entrevistadas por Marilim para sua tese, 18 estavam adaptadas e felizes e apenas duas ainda não tinham feito o luto de suas perdas. Uma delas dizia: “Eu fui feliz, mas agora sou mais”, enquanto outra admitia: “Graças a Deus fiquei viúva”. Ocorre que, no passado, muitas mulheres conheciam os seus maridos dias antes do matrimônio. “Para muitas, o casamento era um fardo”, lembra a professora, que se aposentou em 2010.
Psicóloga de formação, lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Poços de Caldas e defendeu sua tese de mestrado pela Faculdade de Educação da Unicamp. Aos 71 anos, mãe de três filhas, avó de quatro netos, tem uma família próxima, acolhedora e feliz. Mora em um sítio de Águas da Prata, mas antes residiu muitos anos em Poços de Caldas, cidade do marido, com quem está casada há 49 anos.
Marilim conta que, ao fazer as entrevistas para a elaboração da tese, percebeu que os homens queriam uma nova companheira quando as esposas morriam, mas as viúvas preferiam ficar sozinhas, tendo alguém para sair de vez em quando. “Elas cuidavam da vida delas e estavam muito satisfeitas”, lembra.
Já a psicoterapeuta norte-americana Francie Healey começou a estudar o fenômeno Honjok um ano antes de o coronavírus ter dado o ar da graça (ou da desgraça), e escreveu A Arte de Viver Sozinho. Em entrevista à BBC, a especialista explicou que viver sozinho é uma arte, como indica o título do seu livro. Quando se escolhe a solidão, segundo ela, não se trata de ser algo negativo, pelo contrário, pode ser um prazer.
Na opinião da autora, a solidão, ou solitude, é uma forma de construir e cultivar a autoestima. Como Francie constatou, Marilim também concluiu: a solidão é uma característica de maturidade emocional.
Porém, não acha correto associar solidão à velhice. “Para um jovem que mora sozinho, é sinal de independência, sendo que em idosos representa abandono, e não é assim”, explica. Diz que é comum uma pessoa se recolher quando está só para ficar na sua interioridade, como se fizesse uma autosolidão, para então sair dessa experiência como um ser humano melhor e transformador.
A professora aposentada acha que as pessoas idosas se sentem bem por terem chegado à velhice.
“Ultrapassaram muitas coisas e se sentem inteiras”, conclui. “Quantas vezes você está num grupo e se sente sozinha, não tem com quem contar, isso é solidão. Não ter amigos, não se envolver em grupos, achar que, ao morrer, ninguém sentirá sua falta”, exemplifica.
Na pesquisa que fez, percebeu que as mulheres queriam ser donas de suas próprias vidas. “Morar sozinha tem a ver com competência individual. Tenho condição, estou na velhice, mas estou ótima para morar sozinha. Não depender dos outros, ter privacidade, usufruir da liberdade almejada”, comenta Marilim, que se recorda de uma entrevista realizada com uma faxineira, na época muito feliz por ter conseguido fazer um crediário para comprar o sofá de seus sonhos, já que seu objetivo era assistir televisão nua, deitada no sofá. Isso representava liberdade pra ela.
Mundo interior
O isolamento social imposto pela pandemia fez aumentar os transtornos depressivos, ansiedade e outras doenças relacionadas com a saúde mental. Mas, de acordo com a autora Francie Healey, sentir-se sozinho não é o mesmo que estar sozinho.
Segundo ela, “estar sozinho é uma escolha; a solidão, não“.
O National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, aponta que a solidão causada pelo isolamento social contribui para o aumento de problemas físicos e mentais, como depressão, doenças cardíacas e até mesmo Alzheimer, além de comprometer o sistema imunológico. Mas há um lado bom. “A solidão pode ser vista como uma oportunidade de realmente estar com a gente e explorar onde encontramos sentido em nossas vidas”, disse Healey em entrevista à BBC.
“O honjok pode ser uma forma de entender que quando você se permite viver com a solidão, mesmo que seja desconfortável no início, você cultiva uma autoconsciência mais profunda. Por meio de atividades contemplativas e da curiosidade em relação ao seu mundo interior, você pode sentir uma verdadeira riqueza espiritual estando com você mesmo”, completou a autora de A Arte de Viver Sozinho.
Pesquisa realizada em 2015 aponta que 25% da população coreana reside sozinha. Há Honjok de todas as idades e vários tipos de pessoas que seguem o movimento: Honbap, por exemplo, é o ato de realizar refeições sozinho; Honsul, sair para beber sozinho em bares, e Honnol, realizar atividades ao ar livre e hobbies sem companhia.
Na Suécia, cerca de 40% dos lares são compostos por uma única pessoa, e 28% nos Estados Unidos, enquanto que no Japão e em outras partes do mundo, um número crescente de pessoas estão optando pela sologamia, que significa casar-se consigo mesmo.
Durante a pandemia do coronavírus, o isolamento social encontrou 11,7 milhões de brasileiros vivendo sozinhos, o correspondente a 16,2% dos lares, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os idosos são maioria entre os que vivem só: 44,3% deles têm 60 anos ou mais. Em 2005, eram 40,6%.
Logo na abertura da tese defendida por Marilim Capitanini, há uma frase do filósofo, escritor e político romano Sêneca, que define bem essa história de viver só ou na solidão. “A solidão não é estar só, é estar vazio”. E isso vale para pessoas de todas as idades.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]