“Se não fosse esse Carbone, poderíamos ganhar fácil, fácil deles”. As palavras foram proferidas por ninguém menos do que Pelé, o Rei do Futebol, em diálogo dentro de campo com o seu então companheiro de ataque Mazinho, durante empate em 1 a 1 entre Santos e Internacional, em novembro de 1971, no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro.
Ler a frase no jornal, no dia seguinte, valeu como um verdadeiro troféu para o volante José Luiz Carbone. Não é exagero dizer que foi um dos momentos de maior emoção e orgulho da carreira do atleta. E olha que não faltaram episódios importantes durante sua trajetória.
Histórias cruzadas de Carbone e Pelé
Nascido no dia 22 de março de 1946, na capital paulista, José Luiz Carbone começou a carreira de jogador de futebol em 1964, no São Paulo, seguindo os passos do tio Rodolfo Carbone, antigo meia do Corinthians.
Ainda garoto, com apenas 18 anos, Carbone encarou pela primeira vez a árdua missão de marcar o craque Pelé, em partida entre São Paulo e Santos, disputada no dia 11 de outubro de 1964, no estádio do Morumbi, pelo Campeonato Paulista.
Na ocasião, com apenas 23 anos, Pelé já havia se sagrado bicampeão mundial com a Seleção Brasileira, em 1958 e 1962, e também com o Santos, em 1962 e 1963.
Embora o Peixe tenha vencido por 3 a 2, Pelé passou em branco e, por ironia do destino, Carbone foi quem balançou as redes, marcando o seu primeiro gol como atleta profissional, o único com a camisa do Tricolor Paulista e um dos poucos de toda a carreira.
Apenas dois meses depois, em dezembro de 1964, Pelé se sagraria campeão paulista, conquistando o quinto de seus 10 troféus estaduais e terminando como o artilheiro do campeonato pela oitava das nove vezes consecutivas, com 34 gols. Ele chegaria a 11 artilharias do torneio, no total.
Na segunda metade dos anos 60, após deixar o São Paulo, Carbone defendeu a Ponte Preta e também o Metropol, de Criciúma, onde chamou a atenção do Internacional, de Porto Alegre, que o contratou em 1969. Aposta certeira!
Pentacampeão gaúcho entre 1969 e 1973, Carbone contribuiu de forma determinante para tais glórias, que marcaram o início da década de ouro do Colorado. Mesmo depois da saída do volante, o clube conquistou mais quatro troféus estaduais naquele período, em 1974, 1975, 1976 e 1978, além de três títulos brasileiros, em 1975, 1976 e 1979, todos sob regência do maestro Paulo Roberto Falcão, de quem Carbone foi um dos mentores.
Quase uma década após o primeiro embate travado em 1964, Carbone e Pelé se reencontraram dentro das quatro linhas, novamente em lados opostos, no dia 26 de setembro de 1971, no Beira-Rio, em duelo entre Internacional e Santos que terminou empatado em 1 a 1, com gols de Mazinho para o Peixe e Bráulio para o Colorado, pela primeira fase do Campeonato Brasileiro.
Ao contrário da ocasião anterior, quando ainda era um novato sem qualquer experiência no futebol, agora Carbone desfrutava de grande reputação e vivia o auge da forma física, aos 25 anos. Já Pelé, trintão, havia acabado de se despedir da Seleção Brasileira, um ano após se tornar o primeiro jogador tricampeão mundial da história, estabelecendo recorde que persiste até hoje.
“Não dá para deixar que Pelé pegue a bola sozinho. Ele tem um pique espetacular e quando parte com a bola dominada, não dá nem para atacá-lo com o corpo. A única solução é chegar na bola sempre junto ou antes dele”, explicou Carbone, em entrevista a um jornal gaúcho, na véspera do duelo entre Santos e Internacional, em novembro de 1971, no Beira-Rio.
No terceiro capítulo da rivalidade entre o implacável volante e o genial atacante, Carbone ficou frente a frente com Pelé no dia 20 de novembro de 1971, quando Santos e Inter voltaram a se enfrentar no Sul, desta vez pela segunda fase do Campeonato Brasileiro.
Novo empate em 1 a 1, com gols de Claudiomiro para os gaúchos e Davi para os paulistas, em jogo marcado pelas palavras de Pelé, captadas pela imprensa gaúcha e reproduzidas na abertura deste texto, reconhecendo a eficiente marcação que recebeu de Carbone.
“No Pelé não adianta dar botinada. Ele não tem medo. A gente só emprega jogo mais duro quando sabe que o jogador leva medo e não entra mais. O Pelé continua jogando da mesma maneira”, disse Carbone, em entrevista a um jornal gaúcho, às vésperas daquele confronto.
Duas semanas depois, Carbone prevaleceu de forma ainda mais dominante sobre Pelé na vitória do Inter por 1 a 0 sobre o Santos, com gol de Bráulio, no dia 5 de dezembro de 1971, em pleno Morumbi, justamente onde o volante iniciou a carreira e se deparou pela primeira vez com o Rei do Futebol.
“Carbone parece que especializou-se em marcar Pelé. Lá no Sul não deu chance. Ontem no Morumbi foi um marcador implacável do ‘Rei’ e acabou levando a melhor em todos os duelos que sustentou com Pelé”, destacou a imprensa gaúcha, no dia seguinte à vitória do Inter sobre o Santos, em dezembro de 1971.
Ao longo do período de cinco anos em que jogou no Rio Grande do Sul, outra das várias exibições de gala de Carbone aconteceu no jogo do recorde de público do estádio Beira-Rio, mas curiosamente não com a camisa do Internacional, e sim da Seleção Gaúcha de Futebol.
Em um histórico amistoso contra a Seleção Brasileira, disputado no dia 17 de junho de 1972, Carbone brilhou e marcou o segundo gol da equipe gaúcha, que mesclava jogadores de Internacional e Grêmio, em duelo que terminou em empate por 3 a 3, diante de mais de 100 mil torcedores.
Na Seleção
Repetindo o grande desempenho com regularidade, Carbone chegou ao escrete nacional em 1973, integrando uma excursão pela Europa e Norte da África. A estreia com a amarelinha aconteceu num amistoso contra a Suécia, no antigo estádio Rasunda, em Solna, na região de Estocolmo, mesmo palco onde Pelé, aos 17 anos, marcara dois gols na goleada brasileira por 5 a 2 sobre os anfitriões, na grande decisão da Copa do Mundo de 1958, que o tornou o mais jovem jogador a balançar as redes da competição e conquistar a taça mais desejada do futebol, em um feito até hoje insuperável.
Ganhando novas oportunidades de vestir a camisa da Seleção, Carbone chegou a disputar mais seis amistosos preparatórios para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, mas acabou ficando de fora, de forma surpreendente, da lista final anunciada pelo então técnico Zagallo, lendário jogador com dois títulos mundiais pelo Brasil, conquistados em 1958 e 1962, junto com Pelé.
Naquele momento, aos 28 anos, Carbone já havia deixado o Internacional e defendia o Botafogo, onde atuava ao lado do ponta-direita Jairzinho, nada menos do que um dos heróis do título mundial de 1970, no México, ao lado de Pelé.
No dia 20 de janeiro de 1974, mesmo com a dupla Carbone e Jairzinho em campo, o Botafogo não foi páreo para o Santos de Pelé: derrota por 3 a 0 no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. Aquele foi o último dos cinco duelos particulares entre Carbone e Pelé, o único em que o Rei do Futebol conseguiu balançar as redes, já aos 33 anos.
Oito meses depois, enquanto Carbone vivia uma rápida passagem pelo Grêmio, Pelé deixava o Santos e o futebol brasileiro para jogar nos Estados Unidos, onde encerraria a majestosa carreira, em 1977.
Retorno ao futebol campineiro com a prancheta nas mãos
Nos anos 80, após pendurar as chuteiras e virar treinador, transição feita no Nacional, de São Paulo, José Luiz Carbone retornou ao futebol campineiro para dirigir a Ponte Preta entre 1984 e 1985, antes de comandar o Guarani durante toda a campanha que culminou no vice-campeonato paulista de 1988, perdendo a decisão para o Corinthians. Naquele mesmo ano, Carbone também esteve à frente do Bugre em três dos oito jogos da última participação do clube na Copa Libertadores da América.
Foram ainda outras três passagens pelo Brinco de Ouro, em 1996, 2000 e 2007, quando conduziu o Bugre de volta à elite estadual, logo na temporada seguinte à queda para a Série A2. No entanto, na sequência, Carbone falhou na missão de conquistar o acesso à Série B do Campeonato Brasileiro, perdendo o emprego.
Aos 74 anos, José Luiz Carbone faleceu no dia 27 de dezembro de 2020, em Campinas, onde vivia com a família. Ele não resistiu a um câncer hepático descoberto semanas antes. Quase exatamente dois anos depois, também na semana entre o Natal e o Ano Novo, o Rei Pelé morreu no dia 29 de dezembro de 2022, aos 82 anos, em São Paulo, devido à complicações de um câncer no cólon.
Em 2008, Carbone se aventurou como dirigente e atuou durante nove meses como coordenador de futebol da Ponte Preta, vice-campeã paulista naquele ano. A Macaca não chegava à decisão estadual desde 1981.
A maior conquista da carreira como treinador veio em 1983, logo em um de seus primeiros trabalhos: título carioca no comando do Fluminense, com vitória sobre o Flamengo por 1 a 0, gol de Assis, no Maracanã. Logo depois disso, Carbone esteve no banco de reservas em mais da metade dos jogos da campanha do título brasileiro do Tricolor das Laranjeiras, em 1984, mas acabou sendo substituído por Carlos Alberto Parreira na reta final do campeonato.
Ao todo, durante três décadas empunhando a prancheta, Carbone acumulou passagens por mais de 30 clubes de sete países diferentes, de Bolívia a Sudão.
Tributo a outro “carrapato” de Pelé
Companheiro de Carbone nos tempos de Ponte Preta, em 1966, o ex-volante campineiro Bebeto de Oliveira também sentiu o sabor de derrotar o Santos de Pelé. E, neste caso, em dose dupla. Com a camisa grená da Ferroviária, clube que defendeu entre 1966 e 1972, Bebeto saiu de campo vitorioso diante do Rei do Futebol em 1969 e 1970, ambas em duelos disputados em Araraquara.
O primeiro triunfo, pelo placar de 2 a 1, ocorreu no dia 11 de maio de 1969, e o segundo, por 1 a 0, veio no dia 8 de julho de 1970, apenas 17 dias depois que Pelé se sagrou tricampeão mundial com a Seleção Brasileira. Os dois jogos aconteceram no Estádio Doutor Adhemar de Barros, a Fonte Luminosa, em Araraquara.
“A gente enfrentava com dignidade, jogávamos o que sabíamos e ninguém dava pontapé. Quando terminava o jogo, a gente estava feliz da vida por ter conseguido. Sabíamos o quanto era difícil”, afirmou Bebeto de Oliveira, em entrevista concedida a este repórter, em 2018.
Entre os anos 60 e 70, a Ferroviária foi uma das equipes do Interior paulista que mais deram trabalho e tiraram o sossego do Santos de Pelé, especialmente em Araraquara.
Depois da aposentadoria dos gramados, Bebeto de Oliveira se tornou um dos mais importantes preparadores físicos da história do futebol brasileiro, com passagens por São Paulo e Seleção Brasileira. Aos 79 anos, Carlos Roberto Valente de Oliveira faleceu no dia 22 de agosto de 2021, em Campinas.
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