Embora a última década de investigação sobre doenças tropicais negligenciadas (DTN) e outras doenças infecciosas tenha mostrado muitos avanços no sentido inclusive da eliminação de algumas delas, há um grupo de DTN em que as tentativas de controle estão paralisadas ou pior, avançando de modo preocupante: as DTN transmitidas por vetores.
As doenças transmitidas por vetores representam cerca de 35% das doenças tropicais negligenciadas. É importante ressaltar que o vetor é um componente chave para a transmissão e manutenção do patógeno para essas doenças relevantes, como a tripanossomíase africana, a doença de Chagas (americana), a leishmaniose, a filariose linfática, a oncocercose e, principalmente, as doenças causadas por arbovírus, como dengue, zika, Chikungunya e febre amarela.
A prevalência das infecções por arbovírus aumentou drasticamente através do mundo com mais de 120 países sob risco constante. São exemplos recentes e bastante dramáticos os aumentos nas infecções por dengue e Chikungunya, bem como os recentes surtos de Zika e Ebola divulgados globalmente.
O aumento da incidência destas infecções por arbovírus nas Américas, no sul da Europa, no Médio Oriente e na Ásia pode ter muitas causas, mas a expansão populacional dos vetores, os efeitos das alterações climáticas sobre os vetores e/ou a intervenção humana (através da migração, urbanização, etc.) são provavelmente entre os fatores mais relevantes.
O aumento significativo da leishmaniose no Médio Oriente também parece estar potencialmente ligado ao aumento dos constantes conflitos humanos nestas áreas. Além disso, a prevalência da doença de Chagas tem aumentado, e recentemente foi demonstrado que o benzonidazol, o principal medicamento usado para tratar a doença de Chagas, não tem impacto terapêutico em pacientes com cardiomiopatia chagásica, uma das principais causa de morte nestes pacientes.
Como é de conhecimento de todos, estamos saindo da maior epidemia de dengue no Brasil com milhões de casos em 2024. Em Campinas, impressionante, mais de 100 mil casos. Se considerarmos que um % não desprezível de casos é assintomático ou oligossintomático, podemos imaginar que grande parte de nossa população se infectou e mais de 10% apresentou a doença sintomática.
Infelizmente, tivemos quase cinquenta mortes por dengue em nossa cidade, neste trágico ano. A necessidade de mais investigação e desenvolvimento na área das DTN transmitidas por vetores é uma necessidade constante. Estamos em vias de termos as nossas vacinas para dengue e Chikungunya, ambas desenvolvidas e produzidas pelo Instituto Butantan com parcerias nacionais e internacionais. Mas há ainda muito a fazer na investigação de vetores e doenças vetoriais.
A ciência e os cientistas devem contribuir com o seu trabalho, a fim de aumentar o nosso conhecimento sobre DTN transmitidas por vetores e permitir uma melhor gestão e concessão de esforços de controle para as muitas populações globais afetadas por estas doenças. Os trabalhos de pesquisa originais sobre interações vetor/patógeno, interações vetor/hospedeiro, genética e genômica populacional, transcriptômica vetorial, transmissão, epidemiologia de campo, fisiologia vetorial, ecologia vetorial e controle vetorial são absolutamente necessários.
É o momento de estarmos juntos apresentando os nossos projetos de pesquisa mais relevantes sobre doenças transmitidas por vetores. Esta é uma guerra que estamos perdendo.
Devemos trabalhar de maneira intensa e coordenada para evitarmos os desastres como o deste ano de 2024. A vigilância em saúde deve nortear as ações que poder público e a população devem desenvolver neste período “inter-epidêmico” que estamos atravessando.
Vamos trabalhar com inteligência e apoiado na ciência para revertermos este quadro grave e preocupante das doenças vetoriais através de nossa sociedade.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).