“Cada rio que nasce/ É uma moda de viola da natureza/ Pra cantar o nu dos meninos/ Pra botar nos frutos beleza. É um rosário de peixes e chuvas/ Trançado nas corredeiras/ É o espelho da lua, do sol, dos chorões/ Das lavadeiras/ É o berço das águas, o mel da terra/ Das bocas nas beiras …”
Comecinho da década de 1980. O lugar é o Teatro São José, centro de Piracicaba. A poucos metros de onde eu trabalhava há dois anos, o jornal “O Diário”, do combativo Cecílio Elias Netto. Uma de minhas escolas de jornalismo do cotidiano, do suor das redações, enquanto estudava na saudosa Universidade Metodista.
Terceiro Festival de Música Ecológica, que o SESC-Piracicaba oportunamente promovia no momento em que a cidade estava no centro das atenções do nascente movimento ambientalista brasileiro.
O rio Piracicaba estava diariamente nas manchetes, com frequentes mortandades de peixes, provocadas por uma poluição sistemática. Esgotos urbanos e industriais não tratados e outras fontes de degradação, na época em que a legislação ambiental e a atenção das autoridades eram incipientes, para não dizer nulas.
E também havia a ameaça representada pelo Sistema Cantareira, implantado durante a ditadura e que começava a tirar água da bacia do Piracicaba para abastecer metade da Grande São Paulo. A solidariedade hídrica é fundamental, desde que toda uma região não seja prejudicada em benefício de outra.
Neste panorama fértil de reflexões e ações em defesa das águas, o Festival de Música Ecológica era a expressão da sensibilidade artística na relação com a natureza. Naquele mesmo período, um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil estava em curso, o desaparecimento das Sete Quedas, para a formação do lago da hidrelétrica de Itaipu.
A água, a fonte da vida, atacada e violentada de cima abaixo no país que tem o maior volume de água doce do planeta. Então eu ouço aquela voz forte, para cantar a música que terminava, em seus versos marcantes: “Cada rio que morre/ É uma veia que seca, é um rumo sem norte/ Viola quebrada, é um cantador sem estrada,/ É uma faca sem corte/ É um espelho partido, é um berço desfeito/ É o rosário da morte … Cada rio que morre é uma tristeza …”
Quem estava no centro do palco era Zeza Amaral, co-autor de “O rio” com Keula Ribeiro. A música não ganhou o festival, mas para mim foi de longe a melhor, em letra e interpretação.
A educação pela arte, a consciência pela música. Não há instrumento mais poderoso de refinamento de coração e razão. Eu tive a sorte de me formar naquele cenário especial em Piracicaba e a partir dali a questão ambiental tem sido uma de minhas grandes preocupações, tema de mais de 30 de meus livros e de não sei quantos artigos e reportagens.
Mas o que devo a Zeza Amaral, com aquela voz cantando a dor do rio que morre, ah, nem dá para medir. Voa meu caro, para a música do infinito.

José Pedro Martins é jornalista, escritor e colunista do Hora Campinas











