Em 2025 são lembrados os 100 anos de pesquisa sobre o etanol no Brasil. Nesse mesmo ano, ocorre o registro de meio século do Proálcool. Um marco duplo na busca do país por combustíveis de fato sustentáveis, inclusive corrigindo equívocos cometidos ao longo do caminho.
Agosto de 1925, um automóvel Ford de quatro cilindros que estava sendo utilizado, por empréstimo, pela Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM), criada em 1921 pelo presidente Epitácio Pessoa, faz o primeiro trajeto utilizando álcool como combustível. E foi logo em uma corrida no Circuito da Gávea, em prova organizada pelo Automóvel Clube do Brasil. Embrião do futuro Instituto Nacional de Tecnologia (INT), de 1933, a EECM funcionava de forma precária em área da antiga Usina Açucareira, próxima à Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
A necessidade de o país encontrar novas fontes de combustíveis, em um momento de crescimento da frota de automóveis, já tinha sido tema de Epitácio Pessoa na Mensagem Presidencial de 1922, quando alertou para a “colossal importação da gasolina no Brasil”. Sob a coordenação do engenheiro Heraldo de Souza Matos, a EECM foi incumbida de realizar testes para a utilização de álcool em motores de explosão, como um provável substituto da gasolina importada.
Naquele momento, legislações municipais e estaduais já indicavam a possibilidade de adição de até 10% de álcool na gasolina. Mas o Brasil fabricava pouco mais de 150 mil litros anuais de álcool, e era um álcool com baixa concentração, produzido em pequenas destilarias de aguardente.
A Estação Experimental de Combustíveis e Minérios realizou, então, estudos e ensaios para adaptação da gasolina ao motor de explosão e o resultado foi considerado positivo, conforme o diretor da EECM, Ernesto Lopes da Fonseca Costa, comentou na conferência “O Álcool como Combustível Industrial no Brasil”, proferida em 23 de novembro de 1925, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Novos experimentos foram realizados na EECM e como consequência o presidente Getúlio Vargas assinaria, a 20 de fevereiro de 1931, o Decreto 19.717, estipulando a obrigatoriedade de adição de no mínimo 5% de álcool à gasolina importada. Em junho de 1933 foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que teria, entre suas atribuições, a de fomentar a produção de álcool anidro.
O IAA de fato prossegue os estudos, em unidades próximas a áreas de produção de cana-de-açúcar, em Campos (RJ) e em Cabo (PE). As atividades na unidade pernambucana seriam interrompidas durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse período da segunda conflagração militar global, de grandes barreiras para importação de petróleo, em alguns estados nordestinos chegou a mais de 40% a porcentagem de álcool na gasolina.
Choque do petróleo e Proálcool –
Mas a produção em larga escala do álcool como combustível viria apenas com o choque do petróleo, em 1973. Em outubro de 1973, os membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) iniciaram um embargo petrolífero contra os países ocidentais que apoiaram Israel na chamada Guerra do Yom Kippur.
No Brasil, a repercussão foi imediata. Em 1974, foi criado no âmbito da Secretaria de Tecnologia Industrial (STI), do Ministério da Indústria e Comércio, um Programa Tecnológico do Etanol.
O ministro Severo Gomes havia convidado o engenheiro e físico baiano José Walter Bautista Vidal para dirigir a STI e ele permaneceu no cargo até 1978, tendo ficado conhecido como um dos “pais” do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). O Proálcool foi anunciado pelo presidente Ernesto Geisel em outubro de 1975 e oficializado pelo Decreto nº 76.593 de 14 de novembro de 1975.
Na primeira fase do Programa, entre 1975 e 1979, o governo federal respondeu por cerca de 75% dos investimentos, em construção de novas destilarias e expansão da área cultivada de cana-de-açúcar. Nesse período, a área plantada com cana-de-açúcar no Brasil cresceu de 1.969.227,00 hectares para 2.536.976,00 hectares, enquanto a produção de cana aumentou de 91.524.559,00 toneladas para 138.898.882,00 toneladas. Já a produção de etanol saltou de 580,00 metros cúbicos em 1975 para 2.854,00 metros cúbicos em 1979.
Em 1979 houve novo choque do petróleo e no mesmo ano um fato da maior relevância para o Proálcool e a história do etanol no Brasil foi o acordo firmado entre o governo federal e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) visando o começo da produção de carros movido a etanol de cana-de-açúcar. O acordo foi estabelecido após intensas negociações tendo o empresário Mário Garnero como um dos principais protagonistas.
O primeiro veículo com motor a álcool no Brasil, em escala industrial, foi lançado em 5 de julho de 1979. Era o modelo 147 da Fiat. Logo em seguida, o acordo entre a ANFAVEA e o governo impulsionou a produção por outras montadoras. Era o início na prática do segundo ciclo do Proálcool. Foram 3 mil veículos a álcool produzidos em 1979 e em 1985 já eram 573 mil, chegando a 697 mil em 1986.
Na década de 1990, a abertura do mercado para automóveis a gasolina importados, o barateamento do petróleo e outros fatores levaram ao recuo na venda de veículos a álcool. Mas o panorama mudou a partir de 2003, com o lançamento do primeiro carro flex do Brasil, o Gol Total Flex 1.6, resultado da parceria entre a Volkswagen e a Magneti Marelli.
Revolução com carro flex –
Entre 2003, ano de lançamento, até 2012, a produção de veículos flex-fuel cresceu de 48.178 unidades para 3.162.939 unidades. No mesmo período, a fabricação de carros a gasolina caiu de 1.152.463 para 273.922 veículos, segundo dados da Anfavea.
Hoje a proporção de venda de veículos a etanol continua alta. Nos 100 anos do etanol no Brasil e meio século de Proálcool, a indústria do setor é muito madura e em constante evolução tecnológica, como na produção de etanol de terceira geração.
Hidrogênio verde e SAF, combustível de aviação a partir do etanol, estão com pesquisas avançadas. Na safra 2023/2024, o volume produzido foi de 35,9 bilhões de litros, sendo mais de 80% derivados da cana-de-açúcar.
O setor sucroenergético é responsável pela geração de 730 mil empregos formais, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Previdência de 2023. Somados os empregos indiretos gerados pelo setor, são aproximadamente 2,2 milhões de pessoas empregadas na cadeia da cana-de-açúcar.
Todos esses números apenas foram possíveis com o apoio governamental, sim, mas também com grande suporte na iniciativa privada, que construiu uma cadeia produtiva de usinas, destilarias e outros itens fundamentais.
Também foi essencial a contribuição da ciência, de instituições como Esalq-USP, Copersucar, Embrapa, Unicamp, Fapesp e Instituto Agronômico de Campinas, entre outras.
O Brasil então pode comemorar o etanol como combustível para o século 21. Junto com o avanço da energia solar e eólica, e com a matriz elétrica fundamentada em grande parte nas hidrelétricas, o país pode avançar ainda mais em energia de fato sustentável. Não tem sentido retrocessos como investimentos ainda maiores em combustíveis fósseis, com danos ambientais e sociais que não cabem mais no cenário do enfrentamento global da emergência climática.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com











