Estou tentando salvar um texto e me sinto um náufrago buscando uma boia qualquer. Estou longe do meu velho computador da redação – e com ele me entendia a respeito dos ícones.
Aqui em casa tenho um micro de última geração, flores enfeitando a minha mesa, sem contar o prazer de ver a companheira costurando, bordando ou cuidando de papéis importantes, o que dá na mesma necessária importância. Vez ou outra, a máquina de lavar apita uma pequena canção virtual e levanto e estendo as roupas no varal.
Sempre fui de estender roupas no varal. Desde criança a minha mãe me chamava para o ofício. Mas o varal era de arame e tinha duas varas de taquara para erguê-lo. Era um pequeno ofício quase diário, uma oração feita com prazer – e agradecendo o bom Sol que sempre aparecia para alegrar as roupas e os olhos da minha mãe.
Meu avô materno aparecia a cada ano e trazia seu guarda-chuva debaixo do braço e segurando uma pequena mala marrom.
Sua chegada era uma festa para a minha meninice, por seu carinho aos seus netos – e ainda mais por mim que dele não se me apartava, buscando um copo de água, um naco de doce, limpando o cinzeiro do sarro de seu cigarro de palha.
E foi com ele que aprendi a cuidar da sua filha, a santa mãe que Deus havia me dado de presente. E ele ia embora para algum lugar do Brasil e deixava em casa um cheiro de fumo goiano boiando na sala de jantar. E eu ficava esperando a sua outra volta…
Estou escrevendo sem rancor; embora a indignação possa ser entendida como falta de elegância. As coisas estão erradas por aí. Todo o mundo vive o politicamente correto e acha que isso é uma forma de manter a política da elegância.
Sei muito bem que a elegância da crítica bem a merece quem também erra com elegância. Mas muitas gentes erram no trato político das coisas públicas, deselegantes que são com a ética republicana, e, portanto, qualquer coisa que se diga a respeito de tais gentes é o que chamo de deselegância pertinente – embora correndo o risco de ser criticado por exercer o direito inalienável da chamada opinião pessoal.
Dou de ombros e cotovelos à minha deselegância crítica. Mas respeito quem considera minha opinião deselegante.
Detesto tapinha nas costas. Prefiro a conversa direta e reta – embora os meus ouvidos a rejeitem em defesa dos meus pobres e ingênuos neurônios.
Lido comigo e com alguém que mora em mim. Quem mora em prédio de apartamento sabe que cada um tem o seu quadrado. E eu tenho o meu, é claro. E assim a opinião de um não é o interesse do outro. Mas é de boa vivência compreender a vida do vizinho, do seu quintal, jardim, enfim, da sua sobrevivência biológica e, mais que isso, dos seus sonhos éticos e profissionais. E bem sei que estou envolvido em um processo social que devo guardar e protege-lo das minhas indignações cotidianas.
A palavra é a minha enxada. E com ela vou capinando um entendimento comigo mesmo, buscando fazer uma seara do bom arroz com feijão para alimentar a fome de justiça que ronca em meus neurônios.
Não tenho e nem quero paciência de Jó para levar um dedo de prosa com gente que acredita em terra plana e cloroquina. Sou assim; e o cara que vive em mim também concorda. E assim devo parar de escrever para, apenas, levar a minha parca vidinha tocando uma prosa acaipirada comigo mesmo, nós todos que somos carnes, músculos, sangue, nervos e hormônios.
E indignação, é claro. Ninguém é perfeito, já dizia a minha mãe. Inté.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico