Campinas é feita de muitas histórias. Algumas, enterradas no silêncio da tradição. Outras, tecidas pela coragem de quem ousou transformar a realidade. Entre elas, estão mulheres que atravessaram o tempo desafiando os limites impostos, seja pela ciência, arte, política, fé ou esporte. São nomes que se inscreveram na memória da cidade com dedicação, talento ou resistência.
Em homenagem ao aniversário de Campinas, o Hora Campinas reuniu 12 dessas mulheres. Obviamente que a lista seria imensa, mas trata-se de um retrato pequeno, mas que homenageia esse legado feminino.
A trajetória dessas mulheres mostra que o protagonismo feminino não é feito apenas de vitórias fáceis, mas de persistência em meio a contextos adversos. A seguir, você conhece essas histórias – que continuam vivas, não apenas em placas de ruas ou títulos, mas nos caminhos que elas abriram.
Silvia Brandalise
Médica e pesquisadora, Silvia Brandalise é pioneira no tratamento de leucemia infantil no Brasil. Fundadora do Centro Infantil Boldrini, transformou o Interior paulista em referência internacional na oncologia pediátrica. Criadora de protocolos nacionais de tratamento, Silvia elevou as taxas de sobrevida de crianças com câncer a 84% no Centro. Chegou a Campinas em 1969 para trabalhar no Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina.
Izalene Tiene
Assistente social, militante das Comunidades Eclesiais de Base e do Grupo Mulheres na Periferia, Izalene Tiene foi a primeira mulher a assumir a Prefeitura de Campinas, em 2001, após o assassinato do então prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT. De origem humilde, enfrentou o conservadorismo político e deixou como legado uma gestão comprometida com as causas sociais.
Teresinha de Carvalho
Advogada, Teresinha ingressou na Polícia Civil e fez história como a primeira delegada titular da Delegacia da Mulher de Campinas. Ficou conhecida como “Delegada Teresinha” e atuou firmemente no combate à violência de gênero. Também foi vereadora por dois mandatos, sendo a mulher mais votada da cidade em 2000. Hoje, promove palestras e cursos em assuntos relacionados a violência, segurança e medidas preventivas.
Aureluce Santos
Considerada a “1ª Dama do Samba de Campinas”, Aureluce iniciou sua trajetória nos corais da cidade e se consagrou como referência musical no samba. Participou de projetos culturais como Revivendo o Samba, Rua do Samba, Piano-Bar, Café 7, Matriz do Samba e Noite da Seresta e deixou marcas com suas apresentações. Falecida em 2020, aos 72 anos Hoje, seu nome batiza o coreto da Praça em frente ao Teatro Castro Mendes.
Conceição Geremias
Única campineira a disputar três Olimpíadas, foi campeã pan-americana e recordista sul-americana no heptatlo. Teve que amputar parte da perna em 2024 após complicações em um procedimento para correção de fascite plantar, mas retornou às pistas como paratleta e já soma medalhas em competições inclusivas. Sua história é símbolo de superação no esporte e na vida.
Ana Maria Melo Negrão
Escritora, pesquisadora e historiadora, Ana Maria Melo Negrão é a segunda mulher a assumir a presidência da Academia Campinense de Letras (ACL), cargo que ocupa atualmente. Natural de Campinas, é formada em Letras e Direito pela PUC-Campinas, doutora em Educação pela Unicamp e fundadora do curso de Direito da Unisal. Atua também como pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp e tem diversos livros de sua autoria publicados, com foco em educação, história e nas memórias de Campinas. Membro da Academia desde 2013, já exerceu por duas vezes a vice-presidência.
Sueli Cardoso
Sueli Cardoso foi designer de interiores, empresária e diretora do Campinas Decor, reconhecida como a principal mostra de arquitetura, decoração e paisagismo do Interior paulista. À frente do evento desde 2001, teve papel essencial na expansão e profissionalização da mostra, que se consolidou como vitrine de grandes nomes e novos talentos do setor. Faleceu em dezembro de 2022, vítima de um câncer, deixando um legado de criatividade e transformação no cenário do design e arquitetura.
Irmã Serafina
Freira da Congregação de São José, Irmã Serafina era francesa e chegou a Campinas em 1876 atuando junto ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia e fundou o Asilo dos Órfãos, anexado à Santa Casa. Durante a epidemia de febre amarela, dedicou-se ao cuidado dos doentes e faleceu vítima da doença. Hoje, tem uma rua no Centro em sua homenagem, com início na Rua Uruguaiana e que se prolonga até a Rua General Osório.
Odette Domingos
Filha de lavradores, foi pentacampeã sul-americana e mundial master no atletismo. Sua especialidade é o lançamento de disco. É considerada a maior medalhista da história do esporte campineiro. Mesmo com dificuldades financeiras, seguiu competindo até a terceira idade. Por mais de 30 anos foi servidora pública na Prefeitura Municipal de Campinas e faleceu em novembro de 2023, aos 89 anos. Seu exemplo inspira pela persistência e amor ao esporte.
Adriana Flosi
Empresária, atual secretária de Desenvolvimento Econômico de Campinas e presidente da ACIC. É uma das principais lideranças femininas da região em um campo ainda dominado por homens. Atua em conselhos estaduais e lidera políticas públicas voltadas à inovação e ao empreendedorismo. É graduada em Artes Plásticas pela PUC-Campinas, pós-graduada em Planejamento e Gestão de Negócios pela Universidade São Francisco.
Viscondessa de Campinas
Maria Luzia de Sousa Aranha era filha do tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo, fundador do Engenho Fazenda Mato Dentro, atual Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, e mãe de Joaquim Egídio de Sousa Aranha. Foi agraciada com os títulos de baronesa e viscondessa pelo Império. Participou ativamente do processo de urbanização da cidade, assim como as demais gerações da família Souza Aranha. Seu nome permanece nas ruas e no debate sobre memória histórica.
Maria Jandira
Expulsa de casa por não seguir os padrões morais da época, trabalhou como prostituta e morreu aos 23 anos. Seu túmulo no Cemitério da Saudade tornou-se ponto de romaria. Até hoje, recebe flores, promessas e pedidos, tornando-se símbolo e alcançando a fama de “milagreira” na cidade de Campinas.
A força que inspira o presente
As trajetórias dessas mulheres dialogam diretamente com os princípios do Grupo Mulheres do Brasil, fundado em 2013 pela empresária Luiza Helena Trajano. Com mais de 130 mil integrantes em 155 cidades do Brasil e do mundo, o grupo atua de forma suprapartidária em 19 frentes, incluindo educação, empreendedorismo, igualdade racial, saúde e combate à violência contra a mulher.
Em Campinas, o núcleo local é liderado por Aldvan Figueiredo e Denise Ferreira, e conta com mais de 1.500 mulheres cadastradas.
Elas destacam como essas figuras históricas pavimentaram o caminho para a representatividade atual — e como o protagonismo feminino ainda enfrenta barreiras.
“O que nos inspira nessas mulheres é o propósito. Eram mulheres que estavam construindo a história, mudando o curso de tudo, num tempo em que ser mulher era quase sinônimo de invisibilidade. Muitas delas foram chamadas de loucas, desocupadas, ou simplesmente ignoradas. Mas o que permaneceu foi o propósito: transformar. E isso é o que nos move até hoje no nosso dia a dia”, diz Aldvan.
Denise complementa: “Essas trajetórias mostram que ser mulher, estar à frente de espaços de poder, de decisão, sempre exigiu resistência. São lugares que poucas mulheres ocupam, e que continuam sendo, em sua maioria, liderados por homens. É por isso que reconhecer essas histórias e reafirmar a importância da representatividade é tão essencial. A gente precisa manter essas memórias vivas, e mais do que isso, dar continuidade a elas”.
A baixa representatividade feminina nos espaços de poder em Campinas ainda é um desafio.
Hoje, a cidade tem apenas cinco vereadoras – Débora Palermo (PL), Fernanda Souto (Psol), Guida Calixo (PT), Mariana Conti (Psol) e Paolla Miguel (PT) – entre 33 parlamentares. “É pouco. E nossa luta não é por cota, é por equidade. Queremos estar nesses espaços por mérito, com competência, com igualdade de condições. E sabemos que podemos estar onde quisermos”, afirma Denise.
Aldvan destaca ainda que os obstáculos aumentam quando se trata de mulheres negras e periféricas.
“Quanto maior a interseccionalidade — mulher, negra, periférica — mais difícil é furar a bolha. Em Campinas, para uma mulher ocupar um cargo de liderança, ela precisa provar que é boa o tempo inteiro. E, mesmo assim, ainda é questionada”.
Apesar disso, ambas são enfáticas ao afirmar que o movimento feminino não está à margem — ele está em ação. “Quando uma mulher é ajudada, olha ao redor e levanta outras com ela”, diz Aldvan.
Em Campinas, a atuação do grupo é intensa: o núcleo participa de conselhos municipais, dialoga com o poder público e desenvolve ações de apoio à equidade de gênero. “Nosso trabalho é coletivo, é comunitário. A gente quer um país mais justo, e isso passa pelo protagonismo feminino. Essas mulheres que homenageamos mostraram que é possível. Agora, é nossa vez de continuar a luta”, conclui Denise.
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