Há festa no aniversário de Campinas – e na comemoração dos 251 anos da cidade não será diferente. A manifestação anual é de raiz africana, o que simboliza a força da presença negra na história e desenvolvimento da metrópole. Trata-se do Arraial Afro Julino do Jongo Dito Ribeiro, que neste final de semana chega a sua 23ª edição. E entre danças e o soar de tambores e cânticos, características da cultura do jongo, na Casa de Cultura Fazenda Roseira neste sábado (12), uma homenagem reforça a importância dessa ancestralidade na estruturação de uma das cidades mais importantes do Brasil.
Depois do evento ser aberto com um terço a São Benedito, Maria Alice Ribeiro, de 82 anos, filha de Dito Ribeiro, figura inspiradora da comunidade negra, receberá o título de Cidadã Emérita de Campinas por parte da Câmara Municipal, um projeto do vereador Gustavo Petta (PCdoB).

Os três irmãos da chamada dona Maria do Jongo estarão presentes na cerimônia: Carlos Augusto, o Mestre Dudu, de 93 anos, Maria Aparecida, de 87, e José Roberto Ribeiro, de 90, todos filhos de Dito Ribeiro, que teve cinco – Edite morreu.
E entre os familiares presentes, estará Alessandra Ribeiro, líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro e gestora da Casa de Cultura Fazenda Roseira, que abriga a comunidade e, entre várias atividades, é responsável pela recuperação e preservação da memória e da cultura afro-brasileira. Doutora em urbanismo e historiadora, Alessandra é filha da homenageada.
“Minha mãe foi professora de educação infantil e com ela aprendi a amar a educação e o estudo. Meus tios compuseram hinos e cânticos para o município, foram referências poéticas, escritores, pensadores. Ser herdeira dessa família que canta, reza, estuda e sonha é ser uma mulher que acredita na importância da presença negra nessa cidade como estruturante para tudo o que acontece aqui”, discursa Alessandra.
Há dois anos, Dona Maria Alice sofreu um AVC e hoje ela é cadeirante.
No entanto, segue ativa e sabe que o evento no qual será homenageada teve origem no quintal de sua casa, no Jardim Roseira, em 2001. “Era o segundo sábado de julho, quando organizei uma festa julina no quintal da casa da minha mãe”, lembra Alessandra. “E, neste dia, meus tios falaram sobre o meu avô Dito Ribeiro e sua ligação com a tradição do jongo”, segue.
Aquele momento, conta a historiadora, representou um marco para o surgimento da comunidade, que se tornou viva, ocupou espaços e virou referência do movimento negro na Região Sudeste.
“O Arraial do Jongo é o marco desse reencontro com essa prática cultural e tradição”, conta a doutora, lembrando ainda que, sem intenção, a festa nasceu e é celebrada no segundo sábado de julho, coincidindo com a data do aniversário de Campinas.
“Hoje, o Arraial se tornou referência de festa afro municipal. Creio que a ancestralidade negra que fez a cidade se tornar o que é, marca seu espaço nessa história, anualmente, há 24 anos. Fazemos parte das comemorações da cidade, mesmo quando nos ignoram na publicidade.”

A trajetória de Benedito Ribeiro
Alessandra, de 49 anos, não conheceu o avô, que nasceu em 1905 e morreu em 1968. Mas, por meio da memória da família, ela teve acesso à trajetória de Benedito Ribeiro e faz questão de começar a expor sua história por meio de um conto de jongo: “Dito Ribeiro sempre foi um bom mineiro; comendo pelas beiradas, comia o prato inteiro”, recita.

“Ele foi um homem íntegro, religioso, devoto de São Benedito, festeiro e excelente cozinheiro. Ele sai de Minas, onde nasceu, na cidade de Caldas, e vai para São Paulo, onde conhece Benedita, com quem se casa”. Benedita Ribeiro Neves Baltazar nasceu em 1904, em Campinas, para onde ela volta, em 1932, agora com o marido, conta a neta do casal.

“Em Campinas, eles compram uma casa no bairro Botafogo. Ficava no número 145 da Rua Espanha, que era sem saída e cortada pela linha de trem da Companhia Mogiana. Contam que minha tataravó tinha envolvimento com a companhia e conseguiu colocar muitos de seus filhos e netos para trabalhar lá, onde meu avô também começa a trabalhar como cozinheiro.”
Alessandra diz que nos dias de Santo Antônio, São João e São Pedro, a rua se transformava.
“Meu avô levantava um mastro e fazia uma grande festa, com o envolvimento de diversas manifestações negras. Meus tios contam que eram reuniões de muita alegria e ali ele fazia o jongo.”

Os cordões carnavalescos da cidade também integravam a vida festeira de Dito Ribeiro, que, entre suas outras diversas atividades, ainda foi cozinheiro na Revolução Constitucionalista de 1932 e vendedor de laranjas descascadas em uma banquinha na Avenida Andrade Neves.
A trajetória de Dito Ribeiro tem uma forte ligação com a história de Campinas a partir de suas conexões com figuras negras que fazem parte da memória da cidade.

“Meu pai não conheceu Francisco Glicério, mas tinha uma grande admiração por ele”, conta Alessandra, referindo-se ao comerciante, professor, advogado, jornalista e político que teve papel crucial na Proclamação da República e dá nome à principal avenida de Campinas.

Considerado sacerdote na perspectiva religiosa, Dito Ribeiro tinha ainda forte ligação espiritual com Tito de Camargo Andrade, o Mestre Tito, ex-escravo e idealizador da Paróquia São Benedito, localizada na Rua Cônego Cipião, no Centro. E a conexão com Carlos Gomes vinha de sua admiração pela Banda dos Homens de Cor, tradicional grupo musical de Campinas, criado em 1932 pelo maestro João de Oliveira.
“Quando meu avô morre, a família deixa de fazer as festas. Mas hoje, nos reencontramos com essas manifestações e seguimos o legado dele”, diz a neta Alessandra. “O símbolo estampado na camiseta da comunidade é uma sankofa, que significa ‘nunca é tarde para voltarmos atrás e buscarmos as nossas raízes’. E com esse lema, seguimos.”











