Quatro das sete pessoas mortas até o momento na tragédia do tornado em Rio Bonito do Iguaçu (PR) tinham mais de 50 anos de idade (uma com 83 e outra com 70), outras duas tinham entre 47 e 49 anos e uma tinha 14 anos. É uma amostra de como grande parte das vítimas dos eventos climáticos extremos é de pessoas idosas ou maduras. O mesmo ocorreu durante o furacão Katrina, registrado em 28 de agosto de 2005, na região metropolitana de New Orleans, nos Estados Unidos, em que 70% das cerca de 1800 vítimas fatais eram pessoas idosas, mesmo representando 15% da população.
Apesar de todas essas evidências mais do que claras, a exemplo de todas as Conferências do Clima anteriores, a COP30 de Belém (PA) negligenciou o debate sobre o impacto das mudanças climáticas nas pessoas idosas, um dos grupos mais vulneráveis ao aquecimento global. Um nítido etarismo ambiental, que marca toda a discussão recente sobre as mudanças do clima, apesar do envelhecimento rápido da população em escala mundial.
O impacto das mudanças climáticas em grupos como mulheres, povos indígenas, afrodescendentes, quilombolas e outros grupos sociais é debatido com muita justiça e representatividade em vários espaços na COP30, como exemplos do racismo ambiental que é uma das características do aquecimento global. Entretanto, não há um debate específico sequer, com o recorte dos efeitos das mudanças dos climas em pessoas idosas, entre os 286 eventos previstos no Pavilhão Brasil entre as Zonas Azul e Verde da COP30. A Zona Azul (Blue Zone) concentra as negociações e todas as atividades oficiais da Conferência. A Zona Verde (Green Zone) recebe as atividades ligadas à sociedade civil.
A mesma ausência ocorre entre as dezenas de eventos previstos para a AgriZone (conjunto de eventos sobre agricultura tropical, de caráter basicamente técnico, coordenado pela Embrapa) e para o Círculo dos Povos, uma iniciativa interministerial do governo brasileiro que “visa ampliar a capacidade de escuta de demandas e contribuições de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, afrodescendentes e agricultura familiar junto à Presidência da COP30”. De novo, a agenda do Círculo dos Povos é muito importante e representativa dos efeitos das mudanças climáticas atingindo vários grupos e povos vulneráveis, eles que são fundamentais na proteção da biodiversidade mundial, por exemplo protegendo as florestas tropicais como a Amazônia.
Enfim, a COP30, a exemplo das Conferências anteriores, reúne em suas programações oficial e paralela um elenco de eventos refletindo o justo debate sobre a grave crise climática global na perspectiva de gênero, etnias e outras dimensões, mas permanece a lacuna sobre a abordagem do tema em termos dos impactos do aquecimento global na população idosa, contrariando recomendações feitas por agências do próprio sistema das Nações Unidas.
A ausência de discussão sobre efeitos das mudanças climáticas nas pessoas idosas é reconhecida por instâncias da própria ONU, mas ainda assim o assunto não é evidenciado com o devido vigor. “As pessoas mais velhas têm sido negligenciadas nos estudos sobre mudanças climáticas, e a negligência deve ser corrigida no contexto da megatendência do rápido envelhecimento da população em toda parte”, afirma o documento “A década da ONU pelo Envelhecimento Saudável 2021-2030 em um mundo com mudanças climáticas”.
Publicado em janeiro de 2022, o documento foi produzido como uma colaboração entre a Unidade de Mudança Demográfica e Envelhecimento Saudável, a Unidade de Mudanças Climáticas e Saúde e o Envelhecimento e a Unidade de Saúde da Organização Mundial da Saúde e os pontos focais para o envelhecimento e para as mudanças climáticas nos seis escritórios regionais da OMS. Também foram recebidas contribuições do Departamento de Economia e Divisão de População de Assuntos Sociais, um membro parceiro do Grupo Inter-Agências das Nações Unidas sobre Envelhecimento.
O documento faz uma reflexão sobre os impactos das mudanças climáticas na população idosa, no contexto da Década das Nações Unidas pelo Envelhecimento Saudável, que está sendo implementada entre 2021 e 2030. As organizações envolvidas na elaboração do documento lembram que nas próximas três décadas o número de pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo aumentará quase o dobro, de 1,1 bilhão em 2021 para cerca de 2,1 bilhões em 2050.
Neste cenário de grande mudança demográfica, marcada pelo envelhecimento populacional, as organizações signatárias pedem maior atenção para os impactos das mudanças climáticas nas pessoas idosas. O documento sustenta que as Conferências das Partes (COPs) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) “são oportunidades para considerar o envelhecimento saudável ao longo da vida nas comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas. O programa de saúde das COPs e outros mecanismos da UNFCCC podem aumentar a visibilidade dos idosos e oferecer oportunidades para defender as prioridades” da Década do Envelhecimento Saudável.
O documento assinala a respeito que o Pacto Climático de Glasgow, firmado na COP 26, que tinha sido recém-realizada nessa cidade escocesa, no final de 2021, “menciona crianças, jovens, mulheres, pessoas com deficiência e indígenas, mas não pessoas idosas, embora sejam desproporcionalmente impactadas pelas ameaças das mudanças climáticas”. O documento nota igualmente que “os princípios da proteção dos direitos humanos, incluindo o direito à saúde, são claramente indicados na Declaração de Glasgow da COP26 e no plano da Década e podem ser alavancados para avançar ambas as agendas conectadas”. Foi a reiteração da urgência de debate sobre os impactos das mudanças climáticas no âmbito da Década pelo Envelhecimento Saudável.
Apelo semelhante foi feito anteriormente na esfera do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, mais especificamente no 47º período de sessões do órgão, de 21 de junho a 9 de julho de 2021. Na ocasião, o Alto Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas, chefiado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, apresentou um “Estudo Analítico sobre a Promoção e Proteção dos Direitos das Pessoas Idosas no Contexto das Mudanças Climáticas”. O documento adverte que as mudanças climáticas estão afetando os direitos das pessoas idosas nas áreas do direito à vida, à saúde e segurança, e também nos direitos à mobilidade, à habitação, à alimentação, à água e ao saneamento e aos direitos culturais, entre outros.
Entre outros exemplos de impactos já identificados, Bachelet lembrou que, em 2003, uma onda de calor em grande parte da Europa Ocidental criou déficits nas colheitas e matou dezenas de milhares de pessoas. Das 14.000 mortes relacionadas ao calor na França, 80% eram de pessoas com mais de 75 anos. Em 2013, 70% das pessoas que morreram como resultado das inundações em La Plata, Argentina, tinham mais de 60 anos.
Michelle Bachelet exortou então aos Estados membros das Nações Unidas para implementarem “uma abordagem inclusiva de idade para a ação climática, observando que a Década das Nações Unidas do Envelhecimento Saudável foi adotada pela Assembleia Geral no ano passado”.
Posteriores ao Estudo e pronunciamento do Alto Comissariado pelos Direitos Humanos das Nações Unidas, a COP 26, em Glasgow, COP 27, no Egito, COP28, em Dubai, e COP29, no Azerbaijão, não ecoaram o apelo de Bachelet e as lacunas permanecem agora na COP30 em termos da discussão sobre as mudanças climáticas na perspectiva das pessoas idosas. Será que os documentos finais da Conferência da Amazônia vão ao menos sinalizar nesse sentido? (Publicado originalmente em longevinews.com.br).
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com











