Já faz tempo que ando percebendo que o número de pessoas pedindo comida nas entradas dos supermercados tem aumentado bastante. Em um desses estabelecimentos, que costumo frequentar, ficam famílias inteiras com filhos pequenos, bebês de colo. Mesmo que eu ajude com alguma coisa, sei que isso não é o suficiente, é pouco, muito pouco, e sempre vou embora sentindo uma tristeza e uma sensação de impotência por ver a escassez tão presente no dia a dia de tantas pessoas.
Recentemente, um estudo feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) trouxe um dado alarmante mostrando que no Brasil 20 milhões de pessoas passam 24 horas ou mais sem comer durante alguns dias. Chego a sentir uma dor física quando leio isso, e comprovo essa realidade andando pelas ruas de Campinas.
O texto da pesquisa segue dizendo que mais de 24,5 milhões de brasileiros não sabem se vão comer durante o dia e outros 74 milhões estão inseguros se vão precisar passar por isso em algum momento.
As pequenas ações que observo no dia a dia, contudo, também demonstram que tem muita gente olhando para a dor do outro e ajudando como pode. Num pequeno mercadinho do meu bairro observo que a solidariedade já faz parte da essência deles (proprietários e funcionários). Se alguém chega pedindo comida, nunca sai sem pelo menos um lanche, um suco. Foi lá também que eu vi um grupo de mulheres, esperando eles disponibilizarem as caixas de frutas, verduras e legumes que não servem mais para venda, mas que ainda estão boas para o consumo. Elas já sabem o dia e horário e geralmente vão embora com a sacola cheia.
Eu sei, isso não resolve o problema da fome, que é muito mais profundo, mas desperta esperança de que muita gente não é insensível à dor do outro. São pessoas que acreditam que, mesmo em pequena escala, podem fazer algo, afinal a fome dói.
Mobiliza Campinas
O Mobiliza Campinas foi criado em 2020 como medida emergencial no enfrentamento do cenário de insegurança alimentar e nutricional agravado pelo desemprego e pela queda na renda familiar, decorrentes da pandemia de Covid-19.

Em 2020 o movimento arrecadou mais de 6,3 milhões de reais. Em 2021, a Fundação Feac —, uma organização independente que atua em Campinas com o objetivo de contribuir para a criação de uma sociedade mais justa, sustentável e com igualdades de oportunidades — fez um aporte de R$ 2 milhões para a campanha, e outras 1.645 pessoas físicas e 40 empresas também fizeram suas doações.
Juntos conseguiram arrecadar, ao todo, R$ 3.272.950 milhões que está beneficiando 6.818 famílias.
Cada família cadastrada recebe mensalmente um benefício de R$ 120 em cartão alimentação. Geralmente essas famílias têm renda inferior a um salário-mínimo, 92% dos beneficiados são mulheres com filhos (crianças e adolescentes) e 45% são de famílias monoparentais.
Existem também muitas ONGs, empresas, instituições, igrejas, pessoas físicas ou jurídicas tentando ajudar, mas a fome é um desafio mundial que vai precisar do olhar de todo mundo. Muito mais que observar esse cenário tenho me questionado: o que eu posso fazer para ajudar?
Katia Camargo é jornalista e o título de sua matéria nasceu de uma fala do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho: “Quem tem fome, tem pressa”. Betinho, que faleceu em 1997, sempre se referiu à extinção da miséria e da fome como o primeiro passo para a volta da dignidade das pessoas.
Duas músicas embalaram este texto:
Comida, do Titãs
e Amanhã, na voz de Caetano Veloso