Após ser envolvida em uma polêmica por conta de estacas de ferro instaladas em uma escada lateral, a Catedral Metropolitana de Campinas removeu a estrutura nesta quarta-feira (15). O assuntou viralizou depois que o padre paulistano Júlio Lancellotti postou uma crítica em sua rede social, acusando a igreja de “aporofobia”, que é um ódio ou ojeriza aos pobres. Mas esse não é o único exemplo da chamada arquitetura hostil que existe na cidade, com a intenção de espantar as pessoas em situação de rua. Há vários casos de estruturas que visam impedir a acomodação de pessoas vulneráveis. Elas estão em lojas e em viadutos, como o Laurão.
Na última segunda-feira, o padre Júlio Lancelotti, conhecido por sua militância social, publicou uma foto da escada lateral da Catedral Metropolitana, onde estão as estacas de ferro, com a frase “Aporofobia na Catedral de Campinas. Nem sempre a casa de Deus é a casa do Povo”. O assunto rapidamente tomou as redes com comentários e compartilhamentos.
COMO ERA

COMO FICOU

O padre Caio Augusto de Andrade, que é pároco da Catedral há apenas dois meses, explicou que aquela parte do prédio, ao lado da Rua Costa Aguiar, é administrada há anos por uma associação de fiéis civis, e lá ficava uma porta. “Quando a cidade cresceu, fechou aquela entrada e inutilizou aquelas escadas e colocou aqueles espetos horríveis, na década de 80, 90. Quando nem a igreja nem a sociedade discutiam a opção preferencial pelos pobres, e ficou lá. Esquecemos de tirar. Talvez tenha sido colocado mais para inutilizar a porta do que para impedir a presença dos moradores de rua”, diz.
Segundo ele, há um projeto de restauro das fachadas laterais e que já havia o plano de retirar a estrutura, mas como ainda não tem o dinheiro para o restauro, não houve intervenção naquela área. “Aquilo lá não condiz, não diz respeito, não corresponde à nossa opção preferencial pelos pobres. A Catedral Metropolitana tem sim feito trabalhos para ajudar os moradores de rua a sair dessa situação”, afirma.
Em entrevista ao portal Hora Campinas, o padre chamou a situação de “erro histórico” e prometeu corrigi-lo.
Padre Caio afirma ter telefonado para o padre Júlio Lancellotti para explicar a situação. “É um padre que sempre admirei, fui aluno dele, participei muito de congresso, palestra, é um padre que me inspira. Liguei e expliquei que não era o que estava pensando. Ele imediatamente tirou a postagem, mas repercutiu. Depois ele me ligou e pediu desculpas. Ele mesmo reconheceu que não foi algo muito legal que aconteceu”, aponta.
“Se é pelo amor aos pobres é mais importante tirar essas pessoas da situação de rua, de marginalização, de drogas, do que tirar essas grades, mas vou cumprir minha palavra de tirar. Vão ser retiradas nesta quarta-feira”, afirma padre Caio. De forma serena, ele critica a repercussão do caso.
“Acho que devíamos ficar mais escandalizados não com o fato de ter uma grade de mais de 40 anos na escada da igreja, devíamos nos escandalizar mais diante do motivo que leva uma pessoa ir à rua, a terminar nessa situação tão triste, tão desumana”, aponta.
Padre Caio ressalta que não ficou chateado com o padre Júlio Lancellotti. “Não fiquei chateado, fiquei constrangido. Não quero dizer que ele errou, mas talvez foi instrumentalizado ou até mesmo induzido ao erro. Talvez por estar meio idoso, não teve muito discernimento ou foi manipulado, induzido ao erro. Mas acredito no padre Júlio, gosto dele, tenho grande admiração, sempre me inspirou na opção pelos pobres”, completa.


Outros exemplos
Mas o caso da Catedral não é o único. Em Campinas é fácil encontrar o que se chama de arquitetura hostil, como grades, lanças, e outras estruturas que impedem que as pessoas se sentem ou se acomodem próximas às fachadas de lojas, prédios ou embaixo de marquises.

Há pouco mais de 10 anos, vários paralelepípedos foram instalados embaixo do Viaduto São Paulo, conhecido como Laurão, para evitar a presença de algumas pessoas que dormiam e mantinham alguns pertences naquele local. Questionada, a Prefeitura informou que as estruturas citadas têm o intuito de evitar acidentes com pessoas que, porventura, venham a se instalar no vão do viaduto, que se localiza em uma área com tráfego pesado de veículos. “Por isso, embora tenham sido colocadas no local há mais de uma década, as estruturas não têm indicação de serem retiradas”, informou via assessoria de imprensa.

Padre Júlio Lancelotti
O padre Júlio Lancellotti ganhou fama por sua defesa intransigente dos pobres e marginalizados, abrindo as portas de sua igreja para acolher essas pessoas em épocas de frio intenso, por exemplo, e por levar comida nos pontos onde elas se aglomeram.
Em fevereiro deste ano, a Prefeitura de São Paulo instalou pedras embaixo do viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, no Tatuapé. O padre foi até com marretas para quebrá-las e ainda colocou flores no lugar. A atitude inspirou protesto semelhante, no mesmo mês, em Santos, onde um grupo munido de marretas também quebrou pedras instaladas em um viaduto entregue em agosto do ano passado, na entrada da cidade.
