Estamos acompanhando, tristes e inconformados, essa lamentável guerra no mundo eslavo. É realmente inaceitável que o ser humano, em pleno Terceiro Milênio, terceira década do século 21, esteja envolvido nessas ações bélicas, tão descabidas e anacrônicas. As redes de comunicação e a tecnologia da informática, com a abundância de imagens e comentários, estressam-nos ainda mais frequente e profundamente. E quando sugerem o terror distópico da Terceira Guerra Mundial, espalham o pânico.
Por que nossa evolução ética, afetiva, intelectual e cultural não são suficientes para impedir as guerras? Simplesmente porque o animal humano não percebe que só ataca quando está fraco.
Um mamífero predador está sossegado em seu território. Se a fome incomodar, ele sente a fraqueza, vai batalhar em busca da presa.
Depois de alimentado, volta ao repouso. Se um concorrente se aproxima, surge novo incômodo, ele sente outra fraqueza, levanta-se e prepara-se para a luta.
O animal humano (A H – lembrando sempre, A H: somos Animais e Humanos), evidentemente, só atacará se estiver com alguma fraqueza. São os seus medos que o tornam agressivo.
O A H tem medo que o considerem desvalorizado, inferiorizado, superado.
Ou de qualquer outra depreciação: ‘não me farão de bobo, não sou perdedor, velho, inferior, baixinho, analfabeto, adotivo, bicha, pobre, feio, gordo, burro, medíocre, sapatão, impotente’. Ou que não reconheçam a sua supremacia, sua glória, seu título. Mexido na fraqueza, ele vai para o ataque, seja verbal, físico, com ou sem armas, ou até usando um carro no trânsito…
Se o A H tem oportunidade de sublimar a agressividade truculenta, ele pode praticar esportes, disputar jogos com os concorrentes, coisas boas e sadias. Com cuidado e atenção, no entanto, pois até torcedores, de repente, estão guerreando.
Desde as brincadeiras infantis, crianças demarcando áreas e disputando terrenos, espetando faquinhas no solo, em suas fronteiras de quintal, até uma utópica realidade virtual que simule em detalhes toda uma guerra equipadíssima, tudo pode ser sublimado.
Em tempos de Inteligência Artificial e tanta equivalência digital, nenhuma guerra precisa ser vivida na realidade. Tudo pode ser simulado nos computadores, sublimando as atrocidades, barbaridades e crueldades.
Alguns hackers de destaque internacional da atualidade poderiam entrar em um jogo fantástico, disputando quem conseguiria bloquear os sistemas, inibindo virtualmente os computadores dos exércitos russo e ucraniano.
A sublimação mais inteligente e proveitosa é a grande capacidade do A H de conversar! Um diálogo profícuo e bem inspirado diplomaticamente pode resolver graves diferenças.
Os temores e fraquezas originais são dos comandantes. Os soldados vão combater por outros medos.
Bono Vox, do U2, compôs uma versão interessante da “Ave Maria” original de Charles Gounod (séc. 19). Em certo trecho, o vocalista diz: ‘E a guerra é sempre uma escolha dos que não têm que lutar’.
O A H quer mostrar força, quer glórias jubilosas. Os arcos de triunfo espalhados pela Europa registram tal contexto. São belíssimas obras de arte, mas estimulam a empáfia e a pretensão dos povos vitoriosos. O mais famoso é o de Paris, inaugurado em 1836, 15 anos após a morte de Napoleão, o imperador que o inspirou. Curiosamente, em São Petersburgo, na década anterior, o arco de Narva marcava a vitória da Rússia sobre a França de Napoleão…
Um pouco antes, no século 18, o filósofo Christian Wolff esboçava os primeiros conceitos para a definição da Psicologia: ‘a ciência que estuda a alma’. Muitos estudos se seguiram. Na virada para o século 20, Freud apresentou a psicanálise. Um chorrilho de aprofundamentos mentais e emocionais vem ocorrendo, mas ainda não serenaram os ânimos beligerantes.
Talvez porque nos percamos com as próprias lutas embrutecidas e assassinas. A frase: ‘A maior vítima da guerra é a verdade’, supostamente cunhada por Ésquilo, meio século antes de Cristo, ajuda a compreender que, depois das barbáries, custa muito para o A H desvencilhar-se das mentiras.
A guerra fere, machuca, judia, tortura, mata. Não se consegue brincar muito com ela, mas é muitas vezes tragicômica, de tão ultrapassada, ridícula, absurda e estúpida.
São tantas armas militares extraordinárias, mas ainda tem fuzil com baioneta. Surgiu até piada recente que, em tempos de Covid, os soldados lutassem com máscaras e o devido distanciamento…
Joaquim Zailton Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor











