Foi numa tarde de domingo como essa, no último fim de semana de agosto de 1962, que o Guarani segurou o time mais poderoso da história do Santos no Brinco de Ouro, em um histórico duelo que reuniu diversos craques da Seleção e colocou frente a frente duas figuras lendárias do futebol brasileiro: Pelé e Telê Santana.
A partida, disputada em Campinas, no dia 26 de agosto de 1962, data que completou exatamente 60 anos na última sexta-feira (26), terminou empatada em 1 a 1, pelo primeiro turno do Campeonato Paulista.
O Peixe abriu o placar nos minutos finais do primeiro tempo, com gol do ainda jovem Pelé, de pênalti, porém o Bugre buscou a igualdade na etapa complementar, graças a um gol de falta do atacante Osvaldo no apagar das luzes, inflamando os cerca de 17 mil torcedores bugrinos presentes no Brinco.
O estádio Brinco de Ouro da Princesa havia sido inaugurado menos de 10 anos antes, no dia 31 de maio de 1953.
Logo na sequência desse marcante embate em território campineiro, o Santos se tornaria o primeiro clube brasileiro campeão da Libertadores, e depois também mundial, repetindo a dose dupla no ano seguinte, liderado dentro de campo pelo “Rei” Pelé.
Curiosamente, exatos 30 anos depois, como técnico do São Paulo, o “Mestre” Telê também viria a se sagrar bicampeão da Libertadores e mundial, entre 1992 e 1993, tornando-se o responsável por acabar com essa exclusividade do Santos.
Muito antes de se tornar um dos treinadores mais importantes e vencedores da história do futebol brasileiro, inclusive tendo comandado a Seleção em duas edições de Copa do Mundo, em 1982 e 1986, Telê Santana defendeu o Guarani perto do fim de sua carreira como jogador, com direito a três gols em 25 partidas oficiais durante a temporada de 1962.

Os feitos continentais do Santos de Pelé, no início dos anos 60, e do São Paulo de Telê, no começo dos 90, foram igualados somente no ano passado pelo Palmeiras, aniversariante da última sexta-feira (26). O Verdão, que completou 108 anos de existência, é o atual bicampeão da Libertadores, tendo derrotado o Santos e o Flamengo nas decisões de 2020 e 2021, respectivamente.
Na atual temporada, o Palmeiras terá a chance de superar a façanha de seus dois rivais paulistas e faturar o inédito tricampeonato sul-americano, algo que nenhum clube brasileiro jamais conseguiu até hoje. A equipe do técnico português Abel Ferreira está novamente entre os quatro melhores times da América e enfrenta o Athletico-PR, comandado por Felipão, nas semifinais da Libertadores. Os jogos acontecem partir desta semana.

Jogadores de Seleção dos dois lados no Brinco
Para enfrentar o Guarani no Brinco de Ouro, em agosto de 1962, o lendário técnico santista Lula mandou a campo seis jogadores que, dois meses antes, haviam se sagrado campeões mundiais com a Seleção Brasileira na Copa de 1962, no Chile.
Eram eles, além de Pelé, o fantástico goleiro Gylmar dos Santos Neves, o zagueiro Mauro, o volante Zito (autor de um dos gols da vitória do Brasil por 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia na grande decisão), o meia Mengálvio e o atacante Pepe. Destes, quatro eram remanescentes da conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia: Gylmar, Zito, Pelé e Pepe.
O atacante Coutinho também fazia parte do elenco brasileiro no título mundial de 1962, totalizando sete jogadores do Santos convocados pelo técnico Aymoré Moreira, mas ele não atuou no confronto diante do Guarani no Brinco de Ouro.
Curiosamente, às vésperas da Copa de 1962, disputada em junho daquele ano, o Guarani havia sido um dos adversários da Seleção Brasileira em um amistoso preparatório para a competição. O jogo-treino, realizado no dia 4 de maio de 1962, em Serra Negra, consistiu em três tempos de 35 minutos e terminou com vitória do escrete nacional por 3 a 0, com dois gols de Pelé e um de Vavá.
No duelo contra o Guarani, disputado no dia 26 de agosto de 1962, no Brinco de Ouro, o Santos entrou em campo com quatro jogadores bicampeões mundiais com a Seleção Brasileira: Gylmar, Zito, Pelé e Pepe.
Em 1962, comandado pelo técnico Elba de Pádua Lima, mais conhecido como Tim, um dos grandes craques brasileiros nos anos 30 e 40, o esquadrão do Guarani contava com quatro jogadores que um ano depois chegariam à Seleção Brasileira: o volante Ílton Vaccari, o meia Tião Macalé, o ponta-direita Amauri Silva e o centroavante Osvaldo Taurisano.
O quarteto bugrino formado por Ílton, Tião Macalé, Amauri e Osvaldo participou do Campeonato Sul-Americano de 1963, equivalente à atual Copa da América.
Na ocasião, sob o comando do técnico Aymoré Moreira, o Brasil terminou na quarta colocação do torneio, perdendo o jogo derradeiro por 5 a 4 para a anfitriã Bolívia, que assim conquistou o primeiro e único título continental de sua história.
Santos, o primeiro time brasileiro campeão sul-americano e mundial
No dia 30 de agosto de 1962, apenas quatro dias depois do empate com o Guarani no Brinco de Ouro, o Santos se tornou o primeiro clube brasileiro campeão da Copa Libertadores da América, ao derrotar o Peñarol por 3 a 0 no Estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, na Argentina, pelo jogo desempate em campo neutro após vitória santista por 2 a 1 no Estádio Centenário, em Montevidéu, e triunfo uruguaio por 3 a 2 na Vila Belmiro, entre os dias 28 de julho e 2 de agosto.
Os três jogos finais daquela edição da Libertadores aconteceram durante a disputa do Campeonato Paulista, que na época ocupava metade do calendário do futebol brasileiro, no caso todo o segundo semestre.
Também foi simultaneamente àquele torneio estadual que o Santos se tornou o primeiro time brasileiro campeão mundial, conquistando a então chamada Copa Intercontinental, com dois triunfos sobre o campeão europeu Benfica, o primeiro por 3 a 2 no Maracanã, com dois gols de Pelé, e o outro ainda mais categórico: 5 a 2 no Estádio da Luz, em Lisboa, com hat-trick do ídolo santista e maior craque da história do futebol. O jogo que valeu a taça aconteceu no dia 11 de outubro de 1962.
Apenas 20 dias depois, o Santos reencontrou o Guarani, em duelo realizado no dia 31 de outubro de 1962, na Vila Belmiro, pelo segundo turno do Campeonato Paulista. Assim como aconteceu no segundo jogo contra os portugueses, o Santos não tomou conhecimento do Bugre, enfiando 5 a 0, com direito a mais três gols de Pelé, que acabaria como campeão e artilheiro daquela competição estadual, com 37 bolas na rede. Na grande decisão, o Santos também enfiou 5 a 2 no São Paulo, no Pacaembu.
E não foi só em 1962. Decacampeão paulista, com os demais títulos conquistados em 1958, 1960, 1961, 1964, 1965, 1967, 1968, 1969, 1973, todos pelo Santos, Pelé também foi o máximo goleador de outras 10 edições do Campeonato Paulista: 1957, 1958 (com um recorde de incríveis 58 gols), 1959, 1960, 1961, 1963, 1964, 1965, 1969 e 1973.

No dia 2 de setembro de 1962, logo após conquistar a Libertadores pela primeira vez, Pelé atingiu a marca de 500 gols na carreira, com apenas 21 anos, em sua sexta temporada como profissional, ao balançar as redes duas vezes no empate em 3 a 3 entre Santos e São Paulo, na Vila Belmiro.
Sete anos depois, no dia 19 de novembro de 1969, Pelé chegaria à extraordinária marca de mil gols na vitória do Santos por 2 a 1 sobre o Vasco, no Maracanã. No total, ele marcou 1283 gols em 1363 jogos, contando jogos oficiais e amistosos.
Retorno de Pelé ao Brinco
No retorno ao Brinco de Ouro, quase um ano depois de sua única visita ao estádio bugrino em 1962, o Santos venceu o Guarani por 2 a 1, com o gol da vitória marcado por Pelé, de falta, no apagar das luzes, no dia 4 de agosto de 1963.
Um mês depois, o Peixe voltou a conquistar o título mais importante da América, derrotando o Boca Juniors nos dois jogos da final da Libertadores: 3 a 2 no Maracanã e 2 a 1 na Bombonera, nos dias 4 e 11 de setembro.
Em novembro, o Santos ainda se sagraria bicampeão mundial, superando o Milan com vitória por 1 a 0 no jogo extra, no Maracanã, após dois jogos que terminaram com o mesmo resultado de 4 a 2, o primeiro a favor dos italianos, em San Siro, em Milão, e o segundo favorável aos brasileiros, no templo sagrado do Maracanã.
O mundo aos pés de Telê
Mineiro, natural de Itabirito, Telê Santana nasceu no dia 26 de julho de 1931 e teria completado 91 anos no mês passado, se ainda estivesse vivo. Ele morreu no dia 21 de abril de 2006, aos 74 anos, em Belo Horizonte.
Conhecido pela alcunha de “Fio de Esperança” em seus tempos de jogador, Telê Santana despontou para o futebol com a camisa do Fluminense, clube que defendeu durante toda a década de 50, atuando como ponta-direita.
Telê se transferiu para o Guarani no início de 1962, aos 30 anos, graças à influência nos bastidores daquele que é considerado um dos maiores presidentes da história do clube, o carioca Jaime Silva, que tinha forte relação com o Fluminense.
Com importantes contribuições na área social e estrutural, concluindo as obras do estádio Brinco de Ouro, Jaime foi o responsável pelo crescimento do Guarani dentro e fora de campo, antes do clube viver o auge nos anos 70, quando se tornou o primeiro campeão brasileiro do Interior do País, façanha única até hoje, conquistada em 1978.
Com a camisa do Bugre, Telê Santana marcou três gols em 25 partidas disputadas no Campeonato Paulista de 1962. O primeiro deles, na acachapante goleada por 7 a 0 aplicada sobre o Juventus, em plena Rua Javari, no tradicional bairro da Mooca, em São Paulo, no jogo anterior ao duelo contra o Santos de Pelé no Brinco de Ouro.
Com a camisa do Guarani, Telê também deixou a sua marca na vitória por 3 a 0 sobre o Taubaté, novamente fora de casa, antes de anotar seu único gol diante da torcida bugrina no Brinco de Ouro, numa derrota por 3 a 2 para o Botafogo, de Ribeirão Preto.
Telê Santana virou treinador na virada dos anos 60 para os 70, estreando na função com títulos estaduais no comando do Fluminense, em 1969. Logo depois, conquistou a primeira edição oficial do Campeonato Brasileiro, à frente do Atlético-MG, em 1971.

Após passagens por outros clubes importantes do futebol brasileiro, como Botafogo, Grêmio e Palmeiras, Telê Santana chegou à Seleção Brasileira e encantou o mundo, mas não conseguiu o tão sonhado troféu da Copa do Mundo, falhando em duas tentativas, em 1982 e 1986.
Nos anos 90, Telê Santana se tornou o maior técnico da história do São Paulo, clube que conduziu ao título brasileiro de 1991 e ao bicampeonato paulista de 1991 e 1992, só para começo de conversa. Logo na sequência, veio o bicampeonato da Libertadores e do Mundial, em 1992 e 1993.
Os títulos continentais foram conquistados em cima do Newell’s Old Boys, da Argentina, e da Universidad Católica, do Chile. Já as duas glórias mundiais vieram com triunfos por 2 a 1 sobre o Barcelona e 3 a 2 sobre o Milan, ambos no Japão.
Por ironia do destino, Telê Santana faleceu em 2006, ano bastante especial para o torcedor do São Paulo, pois marcou o início da hegemonia do tricampeonato brasileiro do clube, algo que nenhuma outra equipe tinha conseguido ou jamais repetiu desde então.
Na época da morte de Telê Santana, o Tricolor Paulista havia retornado ao topo do futebol após conquistar a Libertadores e o Mundial de Clubes em 2005, títulos que o clube havia conquistado duas vezes consecutivas nos anos 90, justamente sob o comando de Telê Santana.

FICHA TÉCNICA: GUARANI 1 X 1 SANTOS – 26/08/1962
Guarani (1): Dimas; Ferrari, Ditinho e Diogo; Ilton e Eraldo; Telê, Ari, Paulo Leão, Tião Macalé e Osvaldo. Técnico: Elba de Pádua Lima (Tim).
Santos (1): Gylmar; Lima, Mauro e Dalmo; Zito e Calvet; Tite, Mengálvio, Dorval, Pelé e Pepe. Técnico: Lula.
Gols: Pelé (SAN), de pênalti, aos 43′ do 1º tempo; Osvaldo (GUA), de falta, aos 40′ do 2º tempo.
Data: 26 de agosto de 1962 (domingo), às 15h30.
Local: Estádio Brinco de Ouro da Princesa, Campinas (SP).
Público: 16.999 pagantes.
Renda: Cr$ 2.631.700,00.
Juiz: João Etzel Filho (SP).











