Na sua rotina de preparação para sair e dar aula, a pedagoga Keyla Ferrari nunca esquecia a peruca. Ela havia perdido os cabelos em função das sessões de quimioterapia para tratar um câncer de mama. E, mesmo debilitada, a doutora pela Unicamp se negou a ficar numa cama. A paixão a movia. Neste Outubro Rosa, dedicado à luta contra o câncer de mama, e Dia do Professor, celebrado neste sábado (15), a trajetória de vida de uma mulher que se entrega de corpo e alma ao ato de ensinar representa uma inspiração.
“Não parei de dar aula no período em que fiz a quimioterapia. A minha motivação era mais forte”, lembra Keyla. “E recebi tanto amor dos meus colegas de trabalho e dos meu alunos que eu saía das sessões e ia direto para o meu ofício.”
A peruca ela usava, pois não queria assustar os alunos. Keyla se qualificou em educação inclusiva e sua rotina é ligada ao desenvolvimento de pessoas com deficiências. Mas, curiosamente, foi com aqueles que ensinava que ela aprendeu a superar um momento tão difícil em sua vida.
“O carinho deles fez toda a diferença no meu processo de cura”, acredita a pedagoga. “Se não fosse esse envolvimento, talvez eu ficasse numa cama, deprimida”, supõe a professora de 47 anos.
A batalha contra o câncer durou dois anos e foi vencida em 2018. O cabelo cresceu de novo. Pequenas sequelas provenientes da retirada do útero e do ovário ficaram, mas nada comparado à grandeza do aprendizado de vida. E a experiência com os alunos que contribuiu para a cura se impõe como mensagem neste Dia do Professor.
“Devemos valorizar o significado de aprender a aprender. Ensinamos, mas também aprendemos muito”, diz.
“É importante estudar e se inteirar das questões acadêmicas, mas nunca podemos deixar de lidar com o ser humano, ter inteligência emocional, empatia”, continua, comparando também o aprendizado oferecido pela internet e pela escola. “O Google é ótimo, mas nada substitui a riqueza de estar numa sala de aula. A troca de experiências com o professor, os contatos com as histórias de vida, o compartilhamento, conselho, afeto, olhar, corpo e voz, nada disso o Google traz.”
Alunos
Trabalhar junto a Pessoas com Deficiências (PcD) por meio da arte é a especialidade de Keyla. E a inspiração surgiu ainda muito cedo, ao se apaixonar pela dança e assistir à novela “Sol de Verão’ da TV Globo em 1982. Ela tinha apenas 6 anos de idade.
“O Tony Ramos representava o papel de surdo e a Irene Ravache era a professora”, lembra. “Aqueles personagens me chamaram a atenção e eu virei para minha mãe e disse: ‘Quando crescer, se eu não for bailarina, vou ser professora de surdo’. Na época, minha diversão era dar aulas para as bonecas”, recorda entre risos Keyla, cujo destino se configurou na confluência da dança e do ensino a PcDs.
Na condição de bailarina e pedagoga, Keyla introduziu a expressão corporal como um meio de educação inclusiva e a premiada Cia de Dança Humaniza, criada por ela, exemplifica a força da iniciativa. Aberto ao público em geral, o projeto tem o apoio da Unicamp, já representou Campinas em vários países da Europa em apresentações e contribuiu para o desenvolvimento de muitas PcDs. “É um trabalho de formiguinha”, classifica a professora, que também tem especialização em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e é escritora.
Ela é autora de dois livros acadêmicos e cinco infantis, cujos personagens foram inspirados em alunos. O último trabalho foi lançado no mês passado. “Dance com ele: Práticas e interações entre mães e filhos com deficiência” tem prefácio do coreógrafo e dançarino Carlinhos de Jesus.
Trabalho missionário
O envolvimento com os alunos e suas famílias faz parte do dia a dia da pedagoga, que procura auxiliá-los de forma integrada com base em cada particularidade. “Antes de uma intervenção, precisamos saber o histórico de cada um. Há alunos que ficaram órfãos na pandemia, outros com casos de assassinato na família, sem contar os que enfrentam grave problemas financeiros.”
Keyla também classifica o trabalho do professor como o de um missionário, bem representado pelas educadoras do ensino fundamental da EE Leila Mara Avelino, no Parque Santo Antônio, em Sumaré. O alvo da ajuda das professoras é Thomas Lima, um garoto com atraso intelectual.
Thomas entrou na escola no sexto ano com 12 anos de idade sem saber ler e escrever. Era a época da pandemia e o desafio foi não deixar o aluno sem um amparo no isolamento. “Foi difícil, pois ele tinha dificuldade em usar a tecnologia para estabelecermos uma comunicação, mas mesmo assim nos empenhamos e ele se desenvolveu muito bem”, conta a professora Ana Paula da Costa que, assim como Keyla em relação a seus alunos, se tornou próxima à família de Thomas, hoje com 14 anos de idade e cursando o oitavo ano.
Fabiana Pasqualin Roxo, outra professora da mesma escola de Sumaré, define da seguinte forma o trabalho com o aluno: “A gente mais aprende do que ensina.” E Thomas agradece: “Eu gosto muito dessa escola, aprendi muita coisa e os professores são legais.”