O clima de “Fla-Flu” da política no segundo turno das eleições presidenciais, com o País polarizado politicamente, tem obrigado as autoridades eclesiásticas a se posicionar e defender, sobretudo, serenidade. Como tem mostrado o Hora Campinas, religião e política se misturaram de forma simbiótica nesta reta final da campanha, gerando atritos e reações dentro e fora dos templos. A agressividade, muito comum nas redes sociais, agora se dá de forma real nos ambientes sagrados.
Por conta desse clima de animosidade, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ela mesmo vítima de parte dos fiéis católicos mais exaltados, decidiu vir a público com uma nota para tentar arrefecer a onda de ódio que se multiplica pelo País.
O texto lamenta “a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno” das eleições deste ano. Os bispos, na carta, recordam que a manipulação religiosa desvirtua valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que precisam ser debatidos e enfrentados no País. Clique aqui para ver a nota.
VEJA A ÍNTEGRA
“Existe um tempo para cada coisa” (Ecl. 3,1)
Lamentamos, neste momento de campanha eleitoral, a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno. Momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições. Desse modo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamenta e reprova tais ações e comportamentos.
A manipulação religiosa sempre desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com a verdade e com o Evangelho.
Ratificamos que a CNBB condena, veementemente, o uso da religião por todo e qualquer candidato como ferramenta de sua campanha eleitoral. Convocamos todos os cidadãos e cidadãs, na liberdade de sua consciência e compromisso com o bem comum, a fazerem deste momento oportunidade de reflexão e proposição de ações que foquem na dignidade da pessoa humana e na busca por um país mais justo, fraterno e solidário.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Presidente da CNBB
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)
Primeiro Vice-presidente da CNBB
Dom Mário Antonio da Silva
Arcebispo de Cuiabá (MT)
Segundo Vice-presidente da CNBB
Dom Joel Portella Amado
Bispo auxiliar da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Secretário-geral da CNBB
Fake news
O contexto da exploração da fé passa, necessariamente, pela enxurrada de fake news que chega sistematicamente nos celulares dos milhares de fiéis. Pensando nisso, a CNBB chegou a montar, em agosto passado, o curso “Fake News, Religião e Política”. A ideia era justamente propor e oferecer um conjunto de inciativas que pudesse fortalecer o diálogo e a conscientização e, principalmente, aplacar a mentira como instrumento de medo e desinformação.
De 8 a 12 de agosto foi realizado, portanto, o curso on-line “Fake News, Religião e Política” com a formação de 200 lideranças católicas de todo o País. Na justificativa, os organizadores salientam que “tendo em vista o aumento substancial da disseminação de notícias falsas, o objetivo do curso foi “oferecer uma formação aos agentes da Pascom, de outras pastorais, movimentos e organismos da Igreja para que desenvolvam a habilidade de checagem de notícias, exerçam a atitude cristã de propagação da verdade e formem uma rede de checadores de notícias no âmbito eclesial”.
O curso foi oferecido pela Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação, a Assessoria de Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Pastoral da Comunicação (Pascom-Brasil), em parceria com os Jovens Conectados, com a Bereia – Informação e Checagem de Notícias e com a PUC Minas, por meios de seus núcleos Anima, Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) e Núcleo de Estudos em Comunicação e Teologia (Nect).
Bolsonaro e Lula
A nota foi pensada e divulgada no contexto das visitas do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Círio de Nazaré e à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, por ocasião do feriado nacional da padroeira do Brasil. Mas ela segue sendo usada Brasil afora pelas dioceses e arquidioceses como posição oficial da Igreja Católica nesse momento turbulento.
Dom Odilo virou alvo
Um importante nome do episcopado brasileiro, inclusive mencionado como candidato a papa no futuro, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, foi vítima de agressões virtuais nas últimas semanas. Ele foi acusado de “comunista” e defensor de pautas contrárias à família, pela ótica de fiéis radicais bolsonaristas.
Por conta disso, dom Odilo, bastante ativo no Twitter, procurou responder a tudo, exaltando que as críticas tivessem fundamento e que esses católicos pudessem apurar melhor a sua história e conduta.
“Alguém tem dúvidas? Creio em Deus, em Jesus Cristo Salvador, amo a Palavra de Deus e da Igreja. Sou a favor da família, contra o aborto e toda violência contra a pessoa; não aprovo comunismo nem o fascismo; sou a favor da moral dos mandamentos de Deus. Estou em comunhão com o Papa…”. escreveu num dos posts.
“Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!”, pregou num tuíte.
“Escrevi muitos artigos contra o aborto, colocando claramente minha posição. Escrevo toda semana um artigo no Jornal O São Paulo. Ver no Portal http://arquisp.org . Desafio alguém a encontrar pauta a favor do aborto! Envio muita mensagem p/Twitter. Alguém quer conhecer? Olhe lá.”, pediu o arcebispo.
“Se alguém estranha minha roupa vermelha (perfil), saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos. Mas… ninguém machuque ninguém!”, salientou dom Odilo.
Suas ponderações seguem não tendo muito efeito, pois à medida que ele posta, internautas entram em sua conta postando o número 22 de Bolsonaro e outras frases agressivas.
Padre Zezinho e cardeal Steiner também foram vítimas
A onda de ódio e ataques não poupou nem religiosos populares, que há décadas usam os meios de comunicação para evangelizar. Agora, no clima de vale-tudo da campanha, eles foram identificados como “comunistas” e defensores de Lula. O padre Zezinho é um deles. Por conta da sucessão de mensagens grosseiras e ameaças, ele decidiu sair das redes sociais, só voltando após o segundo turno.
“Cansei de abrir espaço para católicos superpolitizados, irados e insatisfeitos com nossa igreja. Estou me retirando até dia 31”, escreveu padre Zezinho.
“Depois das ofensas contra o papa, contra os bispos, contra mim, com calúnias e palavras de baixo calão, estou fechando essa página até dia 31 de outubro”, continuou o religioso.
Outro religioso que foi “cancelado” por radicais bolsonaristas é o cardeal Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus. Ele escreveu um artigo para o jornal Em Tempo, que gerou grande controvérsia. O texto foi reproduzido no site oficial da Arquidiocese. Lá, o artigo foi criticado, nos comentários, por apoiadores de Bolsonaro.
“Esse bispo deveria se preocupar com os verdadeiros princípios cristãos. Se o Filho de Deus voltasse hoje, não ia sobrar uma pedra sobre pedra. Será que ele (bispo) estaria defendendo o ex-presidiário?”, perguntou um internauta, referindo-se a Lula.
Outro escreveu: “Fico impressionado em ver alguns padres e bispos apoiarem defensor do aborto e liberação das drogas. Será que eles estão com o juízo perfeito?”