Um dos maiores ícones da música brasileira, o saudoso cantor e compositor cearense Belchior, que morreu há seis anos, tinha uma relação bastante especial com a cidade de Campinas, onde se apresentou diversas vezes durante a sua notável carreira e até chegou a compor algumas canções de sua cultuada discografia. Essa história particular começou nos anos 70 e perdurou pelas décadas seguintes, até o início deste século.
Interessado por futebol, Belchior nutria enorme carinho pela Ponte Preta, afeto retratado e eternizado pelas lentes da câmera do fotógrafo campineiro Carlos Bassan, em registros feitos há exatamente 25 anos, numa noite de quinta-feira, dia 28 de maio de 1998, durante uma das várias passagens do artista por Campinas.
Os cliques do então repórter fotográfico do jornal Correio Popular ocorreram em uma visita de Belchior às instalações do estádio Moisés Lucarelli, casa do clube com o qual criou vínculo e se declarava torcedor, acompanhado do parente e parceiro musical Ednardo Nunes, que reside em Campinas e também torce pela Macaca.
“Ele ficou bastante tempo lá dentro do estádio e depois atendeu a imprensa. Foi super atencioso e explicou que era uma visita de cortesia, pois acompanhava a Ponte Preta e gostava muito do clube. Vestiu a camisa e ergueu uma taça posando para a foto”, relembra o jornalista Ivan Lopes, então repórter do jornal Correio Popular, em contato com a reportagem do Hora Campinas.
“Na época, diziam até que ele estava tentando ingressar na carreira de empresário de futebol, mas isso não foi confirmado e acredito que nunca chegou a acontecer. Aquele era um período em que muitos empresários passavam pelos clubes para abrir portas, oferecendo jogadores e especulando negociações”, comenta Ivan Lopes, sobre boato que corria na época.
“Não se especulou show ou qualquer outro motivo da presença dele. Foi realmente uma visita ilustre e casual que a Ponte Preta recebeu. Acredito que foi a única vez que ele esteve lá, pois não se teve notícia de nenhuma outra visita”, acrescenta Ivan.
O jornalista também recorda a presença de Dona Conceição, torcedora símbolo da Ponte Preta, em meio aos jornalistas e dirigentes pontepretanos reunidos em torno da figura de Belchior.

“A Conceição vivia mais dentro do estádio que os próprios repórteres. A imagem em que ela aparece é na portinha ao lado das bilheterias que dava acesso à sala de imprensa”, situa Ivan Lopes. Fanática pela Macaca e bastante querida pela torcida pontepretana, Conceição morreu em 2018, um ano após o adeus à Belchior.
Visitante frequente de Campinas, Belchior nutria carinho especial pela cidade e se declarava torcedor da Ponte Preta, clube que viveu a melhor fase de sua história entre o fim dos anos 70 e início dos 80, justamente o período mais próspero da carreira do cantor. Naquela época, comandado pelo extraordinário meia Dicá, o esquadrão alvinegro acumulou três vice-campeonatos estaduais (1977, 1979 e 1981) e uma terceira colocação no Campeonato Brasileiro (1981).
Curiosamente, Belchior faleceu no dia 30 de abril de 2017, aos 70 anos, mesma data da decisão do Campeonato Paulista entre Ponte Preta e Corinthians. O clube alvinegro da capital se sagrou campeão, com empate em 1 a 1 no segundo jogo da final, em São Paulo, resultado mais que suficiente para garantir a conquista do troféu, pois o Timão havia vencido por 3 a 0 a primeira partida no Majestoso.
A esperança pelo inédito título estadual acabou se tornando mais uma frustração para a torcida pontepretana, que anteriormente já havia amargado os vice-campeonatos paulista de 1977 e 1979, ambos também perdendo a decisão para o Corinthians, além de 1981 e 2008.
Ligação com Campinas
Pouco tempo depois de visitar o estádio da Ponte Preta bem próximo ao centenário do clube, celebrado no dia 11 de agosto de 2000, Belchior reuniu seus fãs campineiros e se apresentou no Teatro de Arena do Centro de Convivência Cultural, na região central da cidade, numa terça-feira, feriado do Dia do Trabalhador, dia 1º de maio de 2001.
“Ele fez um show para centenas de pessoas reunidas ali no feriado para assistir a uma sequência de apresentações que seria encerrada à noite com um concerto da Orquestra Sinfônica de Campinas. Muito simpático, com seu bigodão característico, Belchior falou sobre sua ligação com Campinas, onde chegou a ter estúdios e gravar discos dele e de outros músicos”, conta o jornalista Danilo Leite Fernandes, que testemunhou o espetáculo e ainda teve a oportunidade de conversar com o artista, conhecendo-o pessoalmente.
A estreita relação de Belchior com a cidade de Campinas parecia predestinada desde o seu nascimento. Afinal, mais um fato curioso, ele carregava o mesmo nome do excelso compositor campineiro Carlos Gomes, autor da famosa ópera “O Guarani”. Sim, acredite, por uma dessas coincidências do destino, o cantor cearense chamava-se Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes – ele, inclusive, brincava que era o maior nome da MPB.
Primo por parte de pai e conterrâneo de Belchior, ambos nascidos na cidade de Sobral, no interior do Ceará, com uma relação bem próxima desde a infância, o também cantor e compositor Ednardo Nunes fixou-se em Campinas na década de 70, com ajuda do próprio Belchior, que havia se mudado para São Paulo em 1972, quando começava a despontar no cenário nacional.
De acordo com revelação feita por Ednardo Nunes, em reportagem veiculada no Jornal da EPTV 1ª Edição, no feriado de segunda-feira, 1º de maio de 2017, um dia após a morte de seu ilustre primo, Belchior costumava passar temporadas em sua residência em Campinas e inclusive compôs durante estadia na cidade a canção “Fotografia 3×4”, do aclamado disco “Alucinação” (1976). Esse é o mesmo álbum que traz os grandes sucessos “Apenas um Rapaz Latino-Americano” e “Como Nossos Pais”, eternizado na voz da célebre cantora Elis Regina.
Lançado dois anos depois de “Alucinação”, o disco “Todos os Sentidos” (1978) também conta com uma canção composta por Belchior em Campinas, conforme consta na contracapa do LP. Trata-se da faixa “Como Se Fosse Pecado”, que abre o Lado B do álbum.
“Entre as décadas de 70 e 80, havia um barzinho muito bacana em Campinas que funcionava numa antiga casa de dois andares no início da Rua Quatorze de Dezembro, quase na esquina com a Avenida Anchieta. Era todo decorado com capas de discos e frequentado por muita gente boa, inclusive o Belchior, que esteve lá várias vezes. Numa dessas idas, ele escreveu algumas palavras e autografou a parede em frente a mesa em que costumava se sentar. As palavras e o autógrafo de Belchior permaneceram na parede por muitos anos, mesmo depois que o barzinho foi vendido”, lembra o professor Marcelo Castro Penteado, que nasceu e cresceu em Campinas.
“O novo dono retirou toda a decoração de capas de discos, reformou e pintou todas as paredes, mas teve o cuidado e a sensibilidade de preservar as palavras e o autógrafo do Belchior. Ele pintou uma moldura e preservou a parte antiga. Durante mais uns bons anos aquele espaço ficou preservado. Muito tempo depois, a casa foi demolida”, finaliza Marcelo Castro Penteado, que também revela ter assistido a shows de Belchior em Campinas nos anos 70 e 80.