A psicanálise, desde Freud, trouxe à tona a importância das figuras parentais na constituição psíquica do sujeito, sobretudo na forma como ele se relaciona com o mundo, com os outros e consigo mesmo. O pai e a mãe ocupam, simbolicamente, lugares estruturantes, que oferecem amparo, sustentação e referência, permitindo que a criança se insira no laço social e construa sua identidade.
Quando essa presença é interrompida de maneira precoce, seja pela morte súbita ou por um afastamento inesperado, a psique do sujeito pode ser marcada por uma ferida que não se fecha com o tempo, mas que se reinscreve em diferentes momentos da vida.
Ainda que o sujeito cresça, estude, alcance sucesso profissional, forme família e desempenhe papéis socialmente valorizados, a ausência dos pais mortos no início de sua trajetória pode ecoar como um vazio constante, um buraco que nenhuma realização material ou relacional é capaz de preencher por completo.
É essa a pauta da coluna de hoje, posso contar com sua companhia nessa nossa reflexão de extrema importância e atual? Que bom, então me acompanhe, por favor. A perda parental precoce coloca o sujeito diante de uma experiência de desamparo radical, algo que Freud descreveu como uma das condições fundamentais da vida humana. No entanto, quando vivida na infância ou adolescência, essa experiência assume contornos mais traumáticos, pois a criança ainda não dispõe de recursos simbólicos e afetivos suficientes para elaborar o luto de modo saudável. O luto inacabado pode se transformar em melancolia, e aquilo que não pôde ser simbolizado retorna de maneira repetitiva, manifestando-se em sentimentos de tristeza profunda, angústia constante, sensação de vazio e até mesmo em quadros depressivos que atravessam a vida adulta.
É comum que o sujeito, ao alcançar conquistas objetivas, perceba que não consegue usufruir plenamente delas, porque a sombra da ausência materna ou paterna ainda paira sobre seu mundo interno, lembrando-o de que não terá a quem mostrar suas vitórias, nem de quem receber o olhar de orgulho que tanto desejava.
O sucesso profissional e a construção de uma nova família podem, em certos casos, funcionar como tentativas inconscientes de reparar a perda, de constituir aquilo que foi desfeito, de recriar um ambiente de pertencimento. Contudo, a ferida psíquica pode se manifestar justamente no paradoxo: mesmo rodeado de afeto conjugal e filial, o sujeito sente-se incompleto, como se faltasse uma peça essencial de sua história. Essa falta, no campo da psicanálise, não é apenas a ausência real dos pais, mas o lugar simbólico que eles ocupam e que não pôde ser elaborado na psique. A depressão, nesse contexto, aparece como sintoma que denuncia algo não resolvido, um luto que não foi metabolizado e que permanece congelado no tempo.
Muitas vezes, o sujeito se vê perseguido pela ideia de que nada do que construiu é suficiente, como se houvesse uma dívida impagável com aqueles que partiram cedo demais. Em alguns casos, surgem fantasias de que, se o pai ou a mãe estivessem presentes, a vida teria tomado outro rumo, e com isso instala-se um movimento de idealização que só intensifica a dor. A idealização dos mortos é uma forma de manter vivo o vínculo, mas ao mesmo tempo aprisiona o sujeito em uma relação impossível de ser atualizada. O trabalho psíquico do luto, que deveria permitir uma reorganização interna, fica suspenso, deixando a vida marcada por um tom melancólico.
Na perspectiva psicanalítica, esse sofrimento não se trata apenas de uma questão de vontade ou de esforço para “superar” a perda, mas da necessidade de dar lugar, no campo do simbólico, àquilo que não pôde ser elaborado no momento em que ocorreu. O sujeito que perdeu precocemente o pai ou a mãe precisa reconhecer que a dor não se apaga com conquistas externas, mas que pode ser ressignificada em um espaço onde se permita falar, simbolizar e reconstruir sua narrativa pessoal.
É nesse ponto que a clínica psicanalítica se torna fundamental: o processo terapêutico oferece a possibilidade de elaborar o luto, de compreender os efeitos inconscientes da perda e de construir novas formas de se relacionar com a ausência. O analista não substitui o pai ou a mãe, mas sustenta o espaço em que o sujeito pode reencontrar sua própria voz, dar sentido à falta e, pouco a pouco, transformar o vazio em algo que não paralise, mas que permita viver de maneira mais inteira.
Dessa forma, embora a ausência dos pais seja uma marca permanente e irrecuperável, é possível que o sujeito encontre, no processo analítico, caminhos para se reconciliar com sua história. Ao invés de tentar apagar a dor ou preencher o vazio com conquistas externas, o trabalho terapêutico possibilita reconhecer a perda, elaborar o luto, abrir espaço para novos investimentos afetivos e ressignificar a própria vida. O sofrimento, então, deixa de ser uma prisão e passa a ser um território de transformação, no qual o sujeito pode construir novas formas de estar no mundo, sem negar a falta, mas aprendendo a viver com ela de maneira mais leve e criativa.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL). Instagram @dr_thiagopontes_psicanalista – site: www.drthiagopontespsicanalista.com.br











