Temos assistido de maneira cada vez mais frequente e, porque não dizer, assustados as inúmeras e graves crises humanitárias no Brasil e através de todo o mundo causadas por fenômenos climáticos levando a perdas materiais e humanas cada vez maiores. No pano de fundo, sobejamente debatido e quase que universalmente aceito, está o aquecimento global, que atingiu o seu ápice em 2024, com todas as suas facetas, formas e intensidades. O sofrimento humano em decorrência destes fenômenos é cada vez maior e, porque não dizer, cada vez mais “democrático” atingindo países ricos e pobres e as populações mais ou menos abastadas.
Sabemos que em uma crise humanitária, as necessidades de uma população são grandes e muitas — por atenção médica, abrigos, água potável e saneamento adequado, comida e segurança. Desastres que ocorrem em lugares que já são pobres em recursos humanos e materiais bem como mal atendidos, são ainda mais devastadores do que poderiam ser de outra forma.
O catastrófico terremoto no Haiti mantém suas mazelas até hoje, mais de duas décadas após, mas outros desastres, como o terremoto de 2008 na China, o furacão Katrina e o terremoto do norte do Paquistão em 2005, e o tsunami do Oceano Índico em 2004 também permanecem claros até em nossa memória recente. Assistimos alarmados as enchentes no Rio Grande do Sul, os incêndios na Amazonia, no Pantanal, no cerrado todos estes no Brasil em 2024 e mais recentemente (já em 2025) os gravíssimos incêndios na Califórnia, o Estado mais rico dos EUA com PIB superior à do Brasil.
Os conflitos armados — em andamento na faixa de Gaza e na Ucrânia, e anteriormente na Somália, no Afeganistão e na República Democrática do Congo, entre muitos outros lugares — são outra causa de ferimentos imediatos e perda de vidas e que resulta em miséria, doenças e mortalidade devido ao ferimentos diretos ou secundário ao deslocamento de refugiados para áreas que geralmente são mal equipadas para fornecer serviços básicos.
Quando um grande número de pessoas é deslocado interna ou externamente, água e saneamento se tornam questões imediatas e urgentes. À medida que um determinado deslocamento persiste, água limpa e saneamento adequado se tornam cada vez mais importantes no controle da transmissão de doenças.
A lista de possíveis doenças epidêmicas que podem ocorrer em conjunto com desastres naturais e situações de conflito é longa, mas entre as mais comuns estão as causas infecciosas de diarreia, leptospirose, hepatite, helmintos intestinais, meningite e tracoma.
Muitas são as ações a serem desenvolvidas, mas as recomendações da OMS para água e saneamento em uma emergência humanitária incluem:
• Pelo menos 15-20 litros de água por dia por pessoa para beber, lavar e higiene alimentar.
• Latrinas ou, pelo menos, áreas designadas para defecação. Essas áreas devem ser preferencialmente segregadas por sexo e deve-se prestar atenção a possíveis problemas de segurança em seu uso.
• Promoção de higiene adequada, como lavar as mãos depois de ir ao banheiro ou trocar fraldas de bebês e antes de preparar e comer alimentos.
Estas orientações parecem bastante simples, mas são difíceis de serem alcançadas. No Haiti, por exemplo, mesmo passados muitos anos, a situação se agravou rapidamente, e os surtos de doença transmissível foram muito sérias.
No Brasil, vimos o drama do Rio Grande do Sul que, de maneira absolutamente abrupta, teve seus implantes de água e esgotamento, muito comprometidos e até hoje não puderam ser totalmente restabelecidos.
Este artigo visa alertar da importância de mantermos nossos sistemas de fornecimento de água e de esgotamento sanitário absolutamente em ordem com planos de contingência que possam atender de maneira, a melhor possível, as várias crises humanitárias atuais e as que, certamente virão em futuro próximo.
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e Pesquisador Responsável pelo CEPID-CancerThera-Fapesp.











