Quando falamos em acessibilidade, é comum que o pensamento se restrinja a rampas, elevadores ou vagas reservadas. Mas a verdadeira inclusão vai muito além das estruturas físicas — ela envolve o acesso à informação, à arte, à história e à experiência estética de forma plena, sensível e igualitária. E é justamente nesse campo que a acessibilidade cultural tem se consolidado como um eixo essencial para a cidadania e os direitos humanos.
A cultura é uma expressão da identidade de um povo. Ela constrói pertencimento, memória e senso coletivo. Por isso, quando um espaço cultural não está preparado para receber pessoas com deficiência, ele não apenas exclui indivíduos — ele empobrece a própria experiência cultural da sociedade.
Durante muitos anos, a ausência de recursos acessíveis foi justificada pela falta de conhecimento técnico ou por limitações orçamentárias. Hoje, esses argumentos já não se sustentam. A acessibilidade não é um “extra” opcional em projetos culturais: ela é uma exigência legal e ética. E mais do que isso — é uma oportunidade de inovar, de democratizar o acesso e de tornar a cultura viva para todos.
Por isso, partimos do princípio de que precisamos tratar a acessibilidade com experiência. Na Inclua-me, temos aprendido que acessibilidade de verdade não é apenas adaptar o espaço, mas criar experiências sensoriais que ampliem a forma como as pessoas percebem o mundo. Maquetes táteis, audioguias, vídeos em Libras, textos em Braille, piso e mapas táteis, adaptações táteis de obras e figurinos, escrita facilitada e materiais lúdico-educativos são alguns dos recursos que tornam a arte palpável, audível e compreensível para todos os visitantes — com e sem deficiência.
Essa abordagem vai além da inclusão: ela reinventa a forma de viver o patrimônio cultural.
Alguns exemplos de projetos bem sucedidos estão no MUB3, Museu do Futebol, Museu da Vida, Museu Histórico Nacional, Casa das Histórias de Salvador, entre outros. São projetos que unem arte, tecnologia e empatia e mostram que o acesso à cultura é um direito de todos.
Mas, apesar das conquistas, sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer. Infelizmente, muitos espaços culturais no Brasil ainda tratam a acessibilidade como algo pontual, feita apenas em eventos especiais ou em resposta a exigências legais.
Outro desafio é a formação das equipes. Museus e instituições culturais precisam capacitar seus profissionais, educadores, mediadores, técnicos, designers, arquitetos — para que compreendam as especificidades das deficiências e saibam lidar com elas com naturalidade e sensibilidade.
No entanto, não devemos (e nem podemos) desistir desse caminho. A acessibilidade cultural transforma a relação entre o público e o patrimônio. Ela revela novas camadas de sentido, novas formas de emoção. E mostra que a inclusão não é um custo — é um investimento em humanidade.
No final das contas, acessibilidade é sobre pertencimento. É sobre garantir que todos possam entrar, compreender e se emocionar. É sobre tornar possível o encontro entre pessoas, histórias e mundos diferentes. Por isso, quando falamos em acessibilidade cultural, não estamos falando apenas de cumprir uma lei, mas falando de democratizar o direito à experiência estética.
E é com esse propósito que seguimos atuando: para que cada pessoa, em cada canto do Brasil, possa viver a arte em todas as suas formas: com os olhos, com as mãos, com o corpo e com o coração.
Marina Baffini é especialista em acessibilidade cultural e diretora da Inclua-me











