O sistema judiciário brasileiro é descrito por muitos como altamente demorado. De fato, quando analisados os dados que acompanham este senso comum, percebe-se a sobrecarga dos magistrados e dos servidores judiciários face ao grande volume de demandas judiciais apresentadas anualmente ao Poder Judiciário.
O problema não se encontra no desempenho dos magistrados ou na ausência de estrutura do Judiciário; muito pelo contrário, os juízes brasileiros produzem acima da média dos italianos, portugueses e espanhóis. Acima de tudo, tem-se um importantíssimo fator cultural, tendo em vista que brasileiros, em geral, são extremamente litigiosos, e dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que 18% da população adulta recorre ao Poder Judiciário para solução de controvérsias, colocando o Brasil entre os países com o maior número de processos do mundo.
Neste cenário, além da demora na resolução das controvérsias, tem-se elevada insegurança jurídica, considerando que os magistrados nem sempre são especialistas nas matérias que precisam julgar. Assim, mesmo quando peritos judiciais são convocados para emitir opiniões técnicas, estes não conhecem as partes ou possuem uma visão integral de todo o contexto fático, tendo em vista a natureza altamente complexa de certas disputas.
Dessa forma, modalidades alternativas ou, considerando o cenário, adequadas, de resolução de controvérsias se instauram reduzindo o tempo – muitas vezes os custos – e ofertando melhor qualidade na resolução de disputas.
Como exemplo temos a negociação, a mediação, a conciliação, a arbitragem e os dispute boards. O dispute board (DB) é um mecanismo de resolução consensual de controvérsias no qual um comitê composto por profissionais indicados pelas partes acompanha a execução de um contrato, normalmente de média a longa duração, visando evitar possíveis controvérsias.
Assim, por exemplo, em um contrato de infraestrutura que utiliza o dispute board, a comissão acompanhará de forma permanente o andamento do contrato, gerenciando e prevenindo o acirramento das divergências e conflitos oriundos do desgaste natural das relações entre as partes envolvidas.
Dessa forma, os profissionais do comitê – engenheiros ou outros profissionais liberais, escolhidos pelas partes e já familiarizados com as minúcias do contrato –, ao serem demandados, apresentarão alternativas para a solução da controvérsia.
Caso as partes não concordem com a decisão sugerida, poderão contestá-la perante a via judicial ou arbitral, dependendo da forma de resolução de controvérsias disposta no contrato. Ressalta-se, porém, que decisões dos comitês de disputa raramente são desafiadas, em razão do nível de expertise envolvido, assim como pelo conhecimento do caso concreto, reduzindo consideravelmente o risco de aquele contrato ir parar no Tribunal, seja judicial ou arbitral.
A principal vantagem é a drástica mitigação de disputas nesses contratos; afinal, havendo um comitê especializado para resolução de qualquer problema oriundo da relação entre as partes, a solução é mais rápida e eficaz, e recorrer a qualquer outro meio de resolução de disputas torna-se desnecessário.
Considerando o cenário de congestionamento do Judiciário brasileiro, os DB estão cada vez mais conquistando espaço entre os meios de resolução de controvérsias para determinados casos.
Recentemente, inclusive, uma obra realizada na linha amarela do metrô de São Paulo rendeu controvérsia quando surgiu uma divergência entre as partes acerca dos custos de retirada de material contaminado na construção. Na ocasião, um DB previsto no contrato de construção, formado por três técnicos – dois engenheiros e um advogado –, foi acionado. A equipe, então, decidiu que o metrô deveria pagar quantia extra, equivalente a R$ 10 milhões, ao consórcio formado pelas construtoras.
O metrô de São Paulo optou por acionar o Poder Judiciário, que decidiu manter a decisão do comitê, revelando uma tendência nacional de valorização dos métodos alternativos.
Além disso, a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, reservou um capítulo de métodos alternativos de resolução de controvérsias, disciplinando, pela primeira vez em Lei Federal Brasileira, os comitês de disputa.
Isso mostra como os DB, desconhecidos de muitos ainda, vêm ganhando cada vez mais espaço entre os métodos de resolução de controvérsias e vêm sendo adotados em determinados tipos de contrato, dadas as suas vantagens de evitar conflitos, dada a sua natureza preventiva, trazendo previsibilidade, segurança técnica nas decisões e agilidade, a um custo relativamente baixo.
André Barabino é sócio na área de Contencioso de TozziniFreire Advogados
Nicole Ribeiro é estagiária de Direito na área de Contencioso de TozziniFreire Advogados