Na história de Campinas os fluxos migratórios sempre marcaram época, desde a imigração italiana na lavoura cafeeira no final do século XIX. Na metrópole moderna, povos de diferentes lugares do mundo e do país aqui vêm para trabalhar, estudar, sobreviver, fazer a vida. Um fluxo recente é o dos venezuelanos que periodicamente migram para Campinas (e para outros lugares do mundo) fugindo da crise em seu país.
Em nosso cotidiano encontramos venezuelanos nos semáforos da cidade, muitos com traços indígenas. Também os reconhecemos no comércio do bairro, como atendentes na padaria, repositores de supermercado, etc., geralmente jovens que falam o português com o sotaque espanhol.
Sempre questiono sobre o porquê, nas escolas brasileiras, o espanhol nunca fez parte do currículo oficial, além do inglês.
Priorizou-se o aprendizado da história da cultura ocidental sob a ótica eurocêntrica, do colonizador, do poder em todas as suas elaborações oficiais, econômicas e políticas. Houve tentativas de apagamento da história dos oprimidos ao caracterizá-los sob o olhar do capitalista, que os depreciou e fomentou um genocídio que persiste até os nossos dias.
Aprender o espanhol nas escolas públicas brasileiras ampliaria as possibilidades de nos identificarmos com os cidadãos dos nossos países vizinhos, pois partilhamos a experiência histórica de sujeição dos povos originários ao colonizador europeu, mas também de resistência a esse domínio.
O que sabemos sobre a cultura e identidade dos povos andinos e dos países da América do Sul formada pela colonização espanhola? O que sabemos sobre a história da Independência dos países vizinhos da América do Sul e Latina?
A língua não pode ser um dificultador no acolhimento aos venezuelanos que chegam em Campinas, cujos filhos vêm para nossas escolas.
Muitas são as crianças matriculadas em creches e escolas de ensino fundamental, filhas de imigrantes refugiados que lutam para recomeçar uma vida de trabalho para o sustento da família. Para isso precisam da escola pública, desafio para os profissionais que devem acolher essas crianças compreendendo-nas em suas trajetórias.
Políticas públicas devem criar mecanismos para receber essas famílias e, especialmente nas escolas, as crianças devem ser vistas como cidadãos do mundo que trazem bagagem de conhecimentos e experiências a serem transmitidos, se forem vistos como sujeitos de valor.
Que valorizemos as trocas proporcionadas por esses encontros entre sujeitos de outras nações, cultivando a liberdade e não a hostilidade.
Quando nos misturamos com o estrangeiro podemos agregar um rico aprendizado e nos tornarmos mais tolerantes e amigáveis: essa é a pedagogia da inclusão, quando aprendemos com o outro em suas diferenças, sem preconceitos.
Imigrantes de outras nações foram tão integrados na cultura brasileira. Venezuelanos podem ser também, ainda mais se consideramos a proximidade geográfica, do idioma e da raiz indígena.
Como nós, cuidam da natureza, cultivam alimentos, fazem artesanato, cultuam a mãe-terra. Mas também como nós vivem em dinâmicas violentas em ambientes de extrema desigualdade social e mantêm o patriarcado machista em seu sistema de valores.
Temos leis que garantem minimamente os direitos dos cidadãos imigrantes refugiados em território brasileiro, mas podemos melhorar essa política de direitos humanos no âmbito educacional, para que as crianças vindas da Venezuela (e demais nacionalidades) tenham acesso à educação pública universal constituída nos parâmetros da democracia, civilidade e afetividade, sem barreiras e sem fronteiras.
Eliana Nunes da Silva, pedagoga, é doutora em Educação pela Unicamp e supervisora educacional na Secretaria Municipal de Educação de Campinas.
[email protected]