Em uma cidade como Campinas, onde 49,4% dos domicílios são chefiados por mulheres, garantir vaga em creche e pré-escola é muito mais do que uma política educacional — é uma política de emancipação feminina. É o que permite que uma mãe trabalhe, que uma avó recupere renda, que uma mulher recomece a vida com dignidade. Educação infantil é infraestrutura de cuidado. É autonomia em tempo integral. E a gestão atual da Prefeitura Municipal de Campinas demonstra tamanho mérito em zerar a fila da educação infantil.
Destaca-se, também, que em 2024, o valor mínimo recomendado para garantir uma educação infantil de qualidade é de R$ 12.264 por aluno ao ano, segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. As escolas conveniadas e cogeridas de Campinas já ultrapassam esse valor, com custos entre R$ 12.500 e R$ 12.900 por aluno.
Por outro lado, a rede direta apresenta um custo médio anual de R$ 38.838 por aluno, conforme dados oficiais da prefeitura. Essa diferença significativa levanta uma questão fundamental: os recursos estão sendo distribuídos de forma justa entre os diferentes modelos de escola pública?
Infelizmente, hoje as planilhas públicas não separam os alunos de período parcial e integral, dificultando o entendimento sobre onde, como e por que se gasta tanto. Transparência é um princípio básico da boa gestão pública. Se não conseguimos enxergar com clareza, não conseguimos cobrar com justiça.
Apesar dos altos custos da rede direta, os salários dos professores seguem aquém das necessidades reais. Hoje, mesmo com formação qualificada, profissionais da educação enfrentam dificuldades para manter o básico: aluguel, saúde e transporte. Nas escolas conveniadas, a situação é ainda mais grave: educadoras que cuidam da primeira infância recebem menos da metade do que se paga na rede direta, mesmo atuando em ambientes igualmente exigentes e com responsabilidades fundamentais. É inadmissível que, em qualquer modelo de escola pública, os profissionais que sustentam a aprendizagem vivam com insegurança financeira.
Campinas tem uma das redes educacionais mais diversas e complexas do país. Tem a rede direta, com sua história, escolas de referência, projetos estruturantes e autonomia pedagógica. Tem também as escolas cogeridas, que atuam nos territórios com vínculo comunitário e resultados comprovados. E tem as conveniadas, que são atualmente a base da educação infantil na cidade — atendendo justamente as crianças pequenas que a rede direta ainda não consegue alcançar com a mesma capilaridade.
Cada modelo tem seu valor. Todos são públicos. Todos servem ao mesmo direito constitucional. Mas se todos são públicos, por que o tratamento é tão desigual? Por que há tanta diferença nos salários e no reconhecimento?
A realidade de Campinas é clara: a pirâmide etária da cidade já mostra sinais de envelhecimento, com uma proporção cada vez menor de crianças pequenas em relação ao total da população. Isso exige modelos de investimento mais inteligentes, eficientes e capilarizados — como as escolas conveniadas e cogeridas, que têm conseguido garantir o atendimento à primeira infância com presença nos territórios. Mas esse não deve ser um movimento de corte ou precarização. É uma resposta racional a um cenário demográfico real.
Defender a rede pública de ensino é defender todas as suas formas de existir. Mas isso exige coragem pra rever estruturas, abrir planilhas, corrigir distorções e valorizar quem já está fazendo mais com menos. Campinas tem condições de fazer isso. E tem, na gestão atual, uma abertura importante para esse debate. Reconheço, com respeito institucional, a postura democrática e republicana do prefeito Dário Saad, que tem mantido diálogo com diferentes setores da sociedade civil e sinalizado compromisso com a transparência.
Educação pública é compromisso com o presente e com o futuro. É cuidado, é território, é dignidade. Mas acima de tudo: educação pública é investimento. E precisa ser um investimento que chegue na ponta, faça sentido e transforme realidades.
Vanessa Crecci é doutora em Educação pela Unicamp, professora da Rede Municipal de Campinas, escritora, apresentadora e roteirista do canal EducaTV.