A miopia hoje é uma questão de saúde pública mundial, com estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) de atingir metade da população em 2050. O menor tempo de atividades externas (que diminuiu ainda mais com a pandemia de Covid-19) tem sido reconhecido como um dos fatores de risco para o desenvolvimento de miopia. A duração e intensidade das atividades em tela também estão associadas.
Durante a pandemia de Covid-19, aumentou o número de casos de crianças com diagnóstico de miopia no País, bem como foi registrado o avanço do problema em pacientes já em acompanhamento. Estas são percepções reveladas a partir de pesquisa inédita realizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).
O estudo, baseado em informações colhidas junto aos especialistas no atendimento dessa população, revela o impacto do coronavírus na saúde ocular da população infanto-juvenil.
Durante esse período de emergência epidemiológica, de acordo com 71,9% dos oftalmologistas entrevistados, cresceu a quantidade de pacientes com idades de 0 a 19 anos com diagnóstico de miopia.
Para 75,6% dos especialistas, essa situação tem como causa principal a exposição das crianças e dos adolescentes às telas dos aparelhos eletrônicos, seja por conta do ensino a distância, seja em atividades de lazer, como assistir televisão ou jogar videogames.
Essa situação exige que a exposição dos jovens às TVs, smartphones, tablets e computadores seja reduzida, afirmam os 98,6% oftalmologistas brasileiros. A recomendação é reduzir esse tempo diante das telas e também buscar atividades externas como forma de prevenir a miopia.
Para o coordenador da pesquisa, Fábio Ejzenbaum, que é especialista do CBO e presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), temos uma epidemia de miopia e para contê-la, além da redução do uso de telas, é preciso também cuidado com os fatores ambientais.
É comprovado que se você ficar em média pelo menos duas horas em ambiente externo sua chance de ser míope pode ser reduzida em até 40%. O sol libera neurotransmissores, principalmente a dopamina, que fazem o olho crescer menos.
Trocar atividades ao ar livre por estudos e brincadeiras em ambientes fechados explicaria por que nove entre dez jovens prestes a deixar a escola nas grandes cidades da Ásia são míopes.

De acordo com um estudo publicado no jornal JAMA Ophthalmology, o confinamento domiciliar durante a pandemia de Covid-19 parece estar associado a uma mudança significativa dos graus de miopia em crianças de seis a oito anos.
O tempo gasto em atividades ao ar livre diminuiu, devido ao confinamento, e foram levantadas questões em relação à piora dos graus de miopia por conta da diminuição substancial do tempo gasto ao ar livre e do aumento do tempo de tela em casa. Sendo assim, os pesquisadores Wang e colaboradores objetivaram investigar as alterações refrativas e a prevalência de miopia em crianças em idade escolar, durante o confinamento.
Foi realizado um estudo transversal prospectivo, usando photoscreenings em escolas, em 123.535 crianças de seis a treze anos, de dez escolas primárias em Feicheng, China.
A prevalência de miopia aumentou de 1,4 a 3 vezes em 2020 em comparação com os cinco anos anteriores. No presente estudo, observou-se que as meninas desenvolveram miopia mais cedo do que meninos.
Outro estudo, do Instituto Brian Holden, da Austrália, estima que até 2050, o número de pessoas com alta miopia chegará a 1 bilhão. A mesma pesquisa indica que 50,7% da população mundial será míope nas próximas décadas.
A miopia patológica pode ter múltiplas complicações, como miopia macular degeneração, descolamento de retina, catarata, glaucoma de ângulo aberto e casos graves que podem causar cegueira.
Como na miopia o comprimento do olho é maior, é como se todas as estruturas oculares estivessem mais esticadas, alargadas. É um olho que tem um risco estatístico, a partir de 5,6 graus de miopia a ter chances de problemas graves oftalmológicos, como estrabismo em adultos, entre outras doenças.
Evidências crescentes sugerem que a causa da miopia pode ser atribuída à complexa interação de fatores ambientais e suscetibilidade genética. Um número crescente de pesquisadores tem se concentrado na genética patogênese da miopia nos últimos anos.
A remodelação escleral e afinamento da retina induzido por alongamento axial excessivo e até mesmo o descolamento de retina são as manifestações patológicas mais importantes da miopia.
Por isso, menos telas e mais atividades ao ar livre, como jogar bola e andar de bicicleta. Não é tomar sol no olho, mas ficar em ambiente externo é muito importante. Atividade ao ar livre reduz a progressão da miopia.
Além da redução no tempo de exposição às telas e o estímulo à prática de atividades ao ar livre, é importante que pais e professores fiquem atentos ao comportamento das crianças e adolescentes para encaminhá-los para avaliação médica de forma precoce.
Sinais como queda no rendimento escolar, mudança de comportamento social, apertar/fechar os olhos para ver objetos ou ler e mesmo se aproximar para identificar letreiros, situações ou objetos podem sugerir a existência de problemas. Com o diagnóstico, o paciente poderá iniciar o tratamento para controlar o transtorno.
O diagnóstico precoce da miopia, assim como de qualquer outro problema, seja ele estrutural ou de doença, tem melhor desfecho quanto mais cedo for descoberto. E aconselha como os pais e responsáveis devem se comportar diante da suspeita de um caso de miopia entre os filhos e qual o papel do médico oftalmologista neste processo.
Os pais são os primeiros que podem detectar sinais e sintomas de baixa acuidade visual. Assim como os professores, em suas funções de reconhecimento de erros refracionais, os pais ao reconhecer tais atitudes dos filhos, devem imediatamente marcar uma consulta com médico pediatra que encaminhara, se necessário, ao oftalmologista para que seja feito o diagnóstico e o tratamento de possíveis problemas visuais.
Conforme a OMS, há 59 milhões de pessoas com essa condição no Brasil, mais de 25% da população. Em todo o mundo, o número de pessoas com miopia chega a 2,6 bilhões.
Os cuidados com a prevenção são importantes, mas o CBO entende que o enfrentamento da miopia depende de ações apoiadas pelo governo, em suas diferentes instâncias de gestão. Por isso, busca interlocução com os Ministérios da Saúde e da Educação para desenvolver estratégias que atinjam as crianças e os adolescentes em casa e na escola.
A proposta, que inclui o treinamento ou capacitação dos professores para a triagem de casos suspeitos em sala de aula, prevê parcerias com o Sistema Único de Saúde (SUS) para o aproveitamento das agendas livres nos consultórios privados. O CBO estima que um acordo neste sentido pode permitir o atendimento de cerca de 15 milhões de pessoas.

Tadeu Fernando Fernandes, médico pediatra, é presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria e membro fundador da ABRACMO – Academia Brasileira de Controle da Miopia e Ortoceratologia
♦ Referência Citada: Wang J, Li Y, Musch DC, et al. Progression of Myopia in School-Aged Children After Covid-19 Home Confinement. JAMA Ophthalmol. Published online January 14, 2021.











