Um dos mais reverberantes ecos das movimentações e acontecimentos do 7 de Setembro foi o presidente da República entoar vozes de “imbrochável”.
As implicações políticas do neologismo poderiam contemplar discussões infinitas, ações e reações as mais diversas, apoios e ataques alternados, com reflexos e interpretações polêmicas, bem-humoradas e polarizadas. Não é o nosso foco.
Vamos aproveitar o ensejo para comentar alguns aspectos da tradição fálica e da ordem psicológica que influenciam na função erétil. Observemos a ideia de “impotência”.
Lembremos que toda fraqueza ou falência de um órgão ou sistema humano é conhecida na Medicina como “insuficiência”. Assim, a dificuldade respiratória é “insuficiência” pulmonar, a do coração é “insuficiência” cardíaca, a do rim é “insuficiência” renal etc.
Por que essa dificuldade sexual masculina não pode ser simplesmente entendida como “insuficiência” genital?
Porque ela carrega uma muito antiga, já em nossos dias anacrônica, tradição fálica, entendida como algo ligado a poder, força, potência. Felizmente, no meio médico, o termo “impotência” está postergado – hoje ela é compreendida como “disfunção erétil”. Entre os leigos, no entanto, a “impotência” ainda é muito frequente e recorrente.
Além da referência principal, termos derivados também se sustentam ao longo do tempo, como as noções de “potente” e “impotente”, a flacidez imediatamente conduzida à gíria da “brochada”.
As transformações culturais tão ricas e profusas na atualidade ainda não atingiram esses vocábulos antigos. O anedotário do mundo todo, por exemplo, é pródigo desses velhos recursos. A ideia de “potência” sexual implica um efeito muito inadequado, danoso sobre a sexualidade masculina. Ou seja, cria uma confusão enorme e complexa sobre o funcionamento simples, elementar, da ereção.
O pênis ereto não é “forte”, “potente”. É apenas um órgão intumescido, cheio de sangue. Os mecanismos fisiológicos decorrentes do desejo é que favorecem o preenchimento das estruturas penianas.
A rigor, o pênis não fica “duro”. “Dureza” é deformação cultural da fisiologia, algo que está associado ao “muque”, um vigor que tem a ver com a função da massa, do tecido muscular, não com tecidos eréteis.
Portanto, o pênis excitado está cheio. Quanto mais repleto de sangue, mais rígido, dando a impressão de ser “duro”. Esse mecanismo é natural e involuntário. A promoção e a manutenção do sangue no genital depende do desejo sexual e do foco mental no erotismo.
Surgindo o desejo, seja por uma imagem, um pensamento, uma presença, um sonho, uma leitura, algo que estimule o interesse sexual, começa o processo de intumescimento peniano. Se o homem mantiver a atenção no sexo, nas suas fantasias eróticas, a ereção virá e se manterá por toda a sequência, seja na masturbação ou numa relação.
Se, por outro lado, algo vier a estressá-lo, incomodá-lo, interrompe-se o decurso.
A cabeça concentrada no sexo tem que ser uma ação tranquila, curiosamente involuntária. Uma tentativa voluntária, o sujeito querer a todo custo que a ereção se mantenha pela vontade, é um estresse, não ajuda.
As estatísticas que estudam as disfunções eréteis apontam que os problemas orgânicos (hormonais, vasculares) são mais influentes nos homens mais maduros. Nos mais novos, a dificuldade é essencialmente psicológica.
Eis um modo simplista e prático para um homem compreender esse contexto psicológico: cérebro preocupado vai procurar uma saída para o impasse, chama para si todo o sangue, este não pode ficar preenchendo o pênis.

Homens entre 65 e 70 anos, idade do presidente, têm cerca de 70% de chance de apresentar problemas de ereção. Cada caso tem que ser bem examinado em seus pormenores, mas em todos o fator psicológico estará influindo.
Na sua biografia sexual, todo homem viverá experiências “brochantes”. Alguém poderia ser quase ‘imbrochável”?
Um homem que se considere seguro, tranquilo, habituado a boas performances nas suas relações sexuais, pode mantê-las por algumas décadas. Porém, diante de uma disfunção erétil, e isso será inevitável, pode perder toda essa confiança viril e despencar em um sofrimento melancólico.
Melhor seria o que entra na relação sexual sem espírito competitivo, longe de considerar aquele ato como uma performance atlética. Com o entusiasmo de um mergulho, realiza uma visita profunda ao corpo do par, esquece de si mesmo, muito menos pensa no seu pênis e na ereção, e fica lá na outra pessoa, sentindo-a com toda a sua capacidade sensorial, captando e curtindo imagens, cheiros, sabores, sons, toques, locais, cultuando as zonas erógenas e criando erotizações das demais partes.
Joaquim Zailton Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.